lundi 30 avril 2018

De grão em grão

Frio e vento lá fora. Ontem teve até tornado na região de Champagne. O tempo pede um bom chá e a preparação longa de um bom feijão.
Cresci ajudando minha avó a escolher, separar os grãos machucados, comidos pelos carunchos, e até algumas pedras. Adorava separar as montanhinhas e o barulho que fazia quando os escolhidos iam pra bacia. Lá, ele era carregado no alho e tinha bastante caldo. Meu avô sempre começava a refeição por um prato de feijão com um fio de azeite e molho inglês, quando era dia de feijão fresco. Ali ele tinha que render, pois o meu avô podia convidar um cliente pra almoçar de imprevisto.
Minha mãe também fazia o feijão como o da minha avó, com um caldo abundante, marrom clarinho. Uma amiga minha era tão fã do feijão dela que pediu para a própria mãe perguntar a receita... 
Já o feijão preto da tia Sueli, perfumava a casa toda no dia que chegávamos em Angra dos Reis. Ela fazia especialmente por isso, para que chegássemos e ele estivesse ainda fumegando no fogão... depois de seis horas de viagem, a gente comia virando os olhos !
Muitos anos depois fui conhecer o feijão que acabou se parecendo com o meu. Foi na casa da Seiko, minha sogra, que encontrei o feijão que me pegou de jeito. Caldo grosso, dessa vez. Ele cozinha quase até desmanchar, e a gente esmaga um pouco para aumentar a cremosidade.
Hoje é dia. Aprendi que se deixá-lo trinta minutos de molho na água fervida, equivale à uma noite de molho. Depois jogo essa água do molho fora, para que ele fique mais fácil de digerir. Alguns dentes de alho esmagados, vem acompanhar uma cebola que refogo à parte, sem deixar queimar. Junto no refogado uma ou duas conchas de feijão, e esmago bem : é esse gesto que vai fazer engrossar o caldo. Despejo então na panela, e deixo perfumar todo o resto do feijão. É nesse momento que gosto de cheirar a leve névoa que sobe com o fogo baixo...e que perfume, que se espalha pela casa até o corredor do prédio. Tem dias que nem faço mistura, para que ele seja o prato principal; tem dias que cedo à uma farofa... De todo jeito, ele é unanimidade...
Hoje não resolvi ainda, deixo o entardecer cinza e o perfume de louro me guiar e traçar minha vontade. 

dimanche 29 avril 2018

Gesto e generosidade

Essa semana ele fez aniversário. Um cara na dele, discreto, de um coração grande, que temos a sorte de ter na familia.
Sempre atento ao que se passa ao seu redor, acaba ajudando aos outros naturalmente, antes que a gente chegue a se dar conta que precisa de ajuda.
Não é à toa que é o padrinho que escolhemos pro Iago, que a Dani e o Edison pro Joca, e a Tati como companheiro. É assim que te vejo, Joel, alguém que se tornou, à sua maneira, o companheiro de todos nós. Sem precisar falar, mas principalmente no gesto, na ação. E por isso mesmo, é dificil encontrar adjetivos pra te qualificar. Nos teus gestos eles são simplesmente sentidos.
Não posso acompanhar seus cuidados com o Joca tanto quanto gostaria, mas vejo que todo o afeto que você transmitiu e ainda transmite pro Iago são preciosos, e estão tomando seu curso natural também com seu mais novo afilhado. Esses que você poderia ter aos montes, um monte de mini palmeirenses, que talvez tenham se espelhado no seu torcer desapegado pra escolha do time. Esses que tem a sorte grande de ganhar um pipa feito à mão com o seu nome, e de ajudá-lo à empinar; de ter tardes mágicas de bolhas de sabão gigantes. Teu material tá todo aqui, esperando a próxima...
Mas o que mais me marcou nesses anos todos de convivio foi o dia em que todos devoravam os aperitivos aqui em casa, e você foi o único a pensar em guardar alguns pra Dani, que tomava o seu banho. Do seu jeito, discretamente, pensou nela e tomou a iniciativa. Nesse dia, mais do que nunca, você ganhou minha admiração.
Que sua Viralakombi tem lugar para o Iago, assim como seu coração grandão feito você, eu já sabia. Não tinha como ser de outro jeito. Com a emoção que você vive e leva a vida ao lado da Tati, com todas as nuances e sabores, vai longe ainda conquistar outras terras que mereçam tua generosidade.

samedi 28 avril 2018

Da vida ao palco

Digerindo ainda o espetáculo que assisti ontem a noite...
Resultado de uma semana somente de trabalho, inspirado no processo de Pina Bausch, uma trupe extremamente mixta, de 12 a 50 anos fez duas horas correrem diante de nossos olhos.
Gestos particulares, que, se repetindo ganhavam significado, pessoas se confundindo com personagens. Cenas do cotidiano que hora nos faziam rir, horas nos cortavam a respiração.
E por que tudo passou tão rápido ? Porque se tratava de vida. Da vida que passa sem nos esperar, da vida que corremos pra alcançar. Da verdade, ao extremo da hipocrisia. Pois é disso que precisamos, confrontá-las para, cada vez mais,  aprendermos a diferenciá-las. 
Dores de amores, posturas que a vida nos cobra. Que a gente se cobra.
Por que foi tão significativo ? Pois quem estava lá, no palco, estava inteiro, dando tudo de si. A apresentação foi única, talvez por isso, tivemos o direito de assistir à tamanha plenitude. À verdade, criada por cada um deles, as vezes de improviso, as vezes, trabalhada claramente há anos.
Como numa cena onde cada um trouxe uma frase que o pai ou a mãe dizia com frequência...a última a atravessar a cena, trouxe aquilo que não era dito : je t'aime.
Tão próximos à realidade vivida por cada um de nós ali, como se fossemos os homenageados, contemplados pela oportunidade de vê-la face a face.
Como na primeira frase dita : "Não perco nunca: ou ganho ou aprendo". Saímos dali sem querer partir, com o gosto de ter feito parte dessa grande vitória.


vendredi 27 avril 2018

Meu pedaço nordestino

Meus pais me ligaram hoje lá de Olinda. Vi meus queridos padrinhos com eles, e me lembrei que sonhava morar por lá, perto daquele perfume de alga e daquele mar verdinho...
Aproveitei algumas férias da época de faculdade pra curtir sua linda cidade e companhia. Na verdade, nesse periodo foi o que mais me aproximei deles, tinhamos longas conversas, noite adentro, me sentia como se lá fosse minha segunda casa... senti o que era ter padrinhos.
Nas noites gravando fitas cassetes com o tio Dante, descobria nossos gostos em comum, Toquinho, Elis, muita MPB que traçou pra sempre meu gosto musical. Nos passeios de jangada esperando as prainhas aparecerem, tio Dante e tia Marcia, em meio a risadas e aquela brisa quente deliciosa, me apresentaram o whyski com água de coco. Muita cumplicidade que guardo com carinho, como ae fosse ontem.
As tapiocas na Sé, ainda me dão agua na boca só de lembrar...aquele queijo coalho torradinho com coco ralado e leite condensado...exageros permitidos e repetidos, gosto e perfume na lista dos meus preferidos. Nas lojinhas, procurávamos lembrancinhas e sempre comprávamos as pequenas e delicadas peças típicas em cerâmica, que terminavam quebrando um pedaço no retorno de avião. Mas bom negócio mesmo foram as minúsculas bonequinhas de pano, que uso de broche até hoje.
Anos depois voltamos com os meninos pequenos, mas eu já sabia que não moraria mais lá, que outros rumos tinham sido tomados, que eu não estava mais sozinha. Ainda hoje gostaria de viver um dia, cuidando de uma pousadinha à beira mar, varrendo o excesso de areia e observando o sol ir dormir no mar. Não seria nada mal se pudesse ser por lá, o lugar do Nordeste onde mora meu coração...

jeudi 26 avril 2018

Inicio uma relação

Sentindo a secura das minhas mãos doloridas, me lembro que passei três horas na minha "parcela" de terra. 
A terra estava dura e batida que nem chão de trilha. Quando cheguei com o Iago, não tinha ninguém, e pegamos o material disponivel, pequenas pás e rastelos. Nada a ver com a dimensão do trabalho que me esperava. Pedi pro Iago regar o chão pra facilitar minha tarefa : preparar a terra. Enquanto isso, faço o reconhecimento do que está por ali. Sei que são mudas, mas além das blettes coloridas (diria uma mistura de couve e escarola) não consigo distinguir nada. Beleza, tenho a desculpa de ser brasileira e de que as plantas não são as mesmas aqui e lá...
Chega Patrick, da parcela 51. Me diz que o chinês que cuidara da parcela que me cabe plantava maravilhas. Que era decorador e sua plantação parecia obra de arte. Me pergunta o que pretendo plantar. Tomates perto de treliça para que tenham apoio, pepinos pois o Iago adora e abobrinha, que deve ocupar um espação. Ele diz que planta abobrinhas nos cantos e a vai guiando conforme ela cresce, que não prejudica o que eu decidir  plantar no centro. Me revela que tenho morangos atrás da treliça, e lá mesmo descubro uma colônia de caramujos. Um deles não se intimida com a minha presença, e quase posa para minhas fotos. Acompanho um pouco seu percurso, tentando descobrir suas preferências. Quando então chega Fabien se apresentando; ele cuida da parcela 11. Patrick já me dissera que ele conhece bem as plantas. Me apresenta um pé de framboesa, e me aconselha a não plantar mais nada com ele, pois é espaçoso à beça. Peço conselhos sobre a blette e ele me diz que ela está lá há tempos, basta cortar rente ao tronco e ela brota mais e mais. Levanto as folhas e descubro um tronco grosso como o de uma couve, e me admiro com o respeito dos que vieram antes, em mantê-lo onde está. Reguei antes de partir para poder colher algumas folhas amanhã, mais hidratadas.
Fiquei então um bom tempo só, eu e a terra. Argilosa, como disse o Pierre, senhor sem muitas cerimônias. Revirei blocos grandes com uma grande pá, e, pacientemente, fui esmigalhando até a terra ficar menor e mais fina. Massageando minhas mãos, separando bulbos de ervas daninhas, fui ganhando o espaço de 2 metros por 1,50. Sentindo em mim a vontade de terminar o trabalho, mesmo sabendo que terei que afofar ainda mais. De qualquer jeito, mais conselhos de não plantar antes de 13 de maio estão me convencendo a controlar essa pressa de antecipar as coisas.
Mais uma lição pra mim : sem o respeito ao espaço do outro, dos colegas de parcelas; do espaço que as plantas precisam para se desenvolver o melhor possível, no seu tempo, tudo não passaria de um trabalho vazio e sem fundamento. Preservo o que já tenho disponivel, pouco a pouco acrescento mais e mais de mim, e dessa intenção pode nascer uma relação de troca. 
Do cuidado, à colheita dos frutos. Algo me diz que não é só com as plantas que rola assim; mas nas relações humanas também...

mercredi 25 avril 2018

O que aprendi com Pedro

Ontem à noite vivi de novo a estranha sensação de quando cheguei aos meus 27 anos. Uma aproximação da realidade do tempo e sua passagem. Quando atingi meus 27 anos, senti a aproximação dos 30 anos. Definitivamente, eu era adulta. Não sei muito bem explicar a dimensão disso, mas a impressão de uma responsabilidade inevitável. 
Hoje, meu primeiro filho completaria 27 anos. Não dependeria mais de mim, sob nenhum aspecto. E sinto que, de alguma forma, foi assim que ele passou pela minha vida. Só me provando que nada dependia de mim, nada estava sob meu controle. 
Pedro veio, pra me mostrar que a gente pode amar sem ver, que a gente pode amar sem ter, sem tocar, que o amor pode ser incondicionalmente eterno, simplesmente por ele existir. Sua passagem, por mais curta que tenha sido, foi um verdadeiro aprendizado e um presente na minha vida.
Passou pra mostrar que estou à mercê da vida, que sim, qualquer coisa pode acontecer, à qualquer momento.
Assim, ele veio, cresceu em mim, foi de mim retirado, e em três horas de vida, partiu. Aos meus 17 anos, Pedro me ensinou a maior lição da vida, que os atos tem consequências, e que elas são inimagináveis.
Obrigada, Pedro, pela lição que me ensinou, através da relação tão especial e sutil que tivemos.
A música que escolhi para acompanhar esse texto fala desse amor, que ultrapassa toda possessividade e  me abre à uma liberdade maravilhosa, de um amor que é atemporal.
"Ame-o e deixei-o ser o que ele é"

mardi 24 avril 2018

Essa carioca é preciosa

Passando o olho no celular, percebi que minha querida amiga Simone tinha passado pelos meus últimos textos. 
Me deu muita vontade de relembrar essa amizade de quase vinte anos, que tem resistido à distância e ao tempo.
Nos conhecemos graças à escolinha dos nossos filhos, onde eu também trabalhava na época. Bons tempos, de amizades simples e profundas.
Ela parecia uma menina, e já era médica pediatra de UTI. Talvez por isso a leveza que pairava em sua vida...seu sorriso e a naturalidade que enfrentava as dificuldades.
Uma delas foi quando o Francis, seu filho mais velho, se machucou na escola. Ela mesma acabara de formar nossa equipe em Primeiros Socorros.. e seu próprio filho foi a primeira vítima que pude socorrer. Um pneu que estava pendurado caíra e cortara sua cabeça. Falei com ela rapidamente enquanto realizava os primeiros socorros, enquanto Ademir, seu eterno companheiro, veio buscá-lo. Aliás, os dois fazem um casal incrivel, de uma cumplicidade transparente, e um amor transbordante. Tenho certeza que foram construindo e aprofundando essa relação mais e mais, pois quando ainda nos encontramos pra lembrar dos velhos tempos e partilhar tantas coisas em comum,  eles me parecem ainda mais próximos e apaixonados.
Quantas pizzas dividimos, quantos passeios, quantos aniversários... fomos no Playcenter num calor de rachar, dividimos um fim de semana em Ubatuba, e um Camarão na Moranga do Ademir,  ambos inesquecíveis !
Sua calma, seu otimismo, sua visão desapegada que ao mesmo tempo reconhece todo o valor da Vida que a circula. A leveza contagiante dessa amizade eterna é preciosa como aqueles diários amarelados com o tempo, que arrancam um sorriso do rosto quando lido anos depois, sorriso que vejo se estampar quando sinto que, de alguma forma, ainda estamos e sempre estaremos ligadas por esse fio de amizade e amor. Sorriso que vocé me ofereceu hoje, Si.
Na foto, Rita à minha esquerda e Simone à minha direita.

lundi 23 avril 2018

Plantando novas sementes

Hoje fui conhecer meu pedacinho de terra no Potager Efemère, Horta efêmera, que leva esse nome pois não sabem até quando ela vai durar.
Um espaço verde em meio à muitos prédios, que me chamou a atenção antes mesmo de me mudar pra cá. 
Desde então, passei em frente admirando as plantas e a atmosfera convivial, com uma grande mesa acolhendo todos os "proprietários" de um pedacinho dali. Sempre quis poder participar de uma comunidade que troca seus grãos, suas experiências e seu espaço, tendo em comum o respeito de estar junto e cuidar de algo junto. Na verdade, é o que deveríamos fazer com o nosso próprio espaço, nosso pedacinho no planeta, não é mesmo ?
Dia desses vi uma conhecida do prédio lá e entrei. Perguntei como poderia fazer para fazer parte daquilo tudo e me inscrevi na lista de espera.
Ontem quando recebi a noticia, fiquei feliz que nem criança que ganha prenda de sorteio. A primeira parcela que a senhora me ofereceu ficava logo atrás de uma árvore, mas não recusei, pensei que bastava plantar algo que não exigisse muito sol... Pois não é que estavam brotando ali batatas e melões ?! Já tinham algumas estacas para os tomateiros também. Iago se empolgou e já começou a cutucar a terra. Um pouco depois, ela me mostrou um outro pedaço menor mas mais ensolarado, dizendo que se pudesse esperar uma semana, poderia ficar com ele. Por conta do sol, topei deixar as batatas e melões.
Minutos depois ela me contactou novamente e voltei para conhecer ainda uma outra, grande e ensolarada ! Meus vizinhos estavam lá, trabalhando a terra cuidadosamente, esperando maio para não correrem nenhum risco de geada...
Me alegro de poder voltar a trabalhar a terra, de combinar as plantas de acordo com suas afinidades, de esvaziar a cabeça tirando as ervas invasivas, de ficar de cócoras como minhas ancestrais indias... e fazer parte dessa nova comunidade, que parou no tempo a sua maneira, ganhando na aproximação e no respeito de um espaço comum.


dimanche 22 avril 2018

Consumir local e de estação

Ando percebendo que pouco a pouco tenho mudado meus hábitos alimentares... e pra melhor. Sei que ainda tenho muito a corrigir, mas acredito que até passar dessa pra melhor ja tenha alcancado uma certa sabedoria sobre o assunto... assim espero...
Antes de vir para a França, nunca prestara antenção aos frutos e legumes da estação. Tinha vontade de comer morango, ia atrás, abacaxi, mexirica, pessego. E sem a minima preocupação se o produto vinha da região ou não, isso sem entrar no âmbito dos orgânicos...
Por aqui tive a sorte de ter sido guiada por várias pessoas diferentes pelos marchés, onde aprendi a me encantar com a beleza e o frescor dos produtos locais. Poder me aproximar desse costume de consumir local, e da estação é auto sustentavel pra todo mundo : o planeta, o real produtor e talvez mesmo um outro equilibrio muito mais profundo ligado a terra, e as nossas próprias necessidades como seres humanos. 
Consumir as laranjas e mexiricas do inverno, nos carregam de vitamina C e nos protegem dos virus que podem se aproveitar da falta dela. Isso sem falar da qualidade de uma boa laranja consumida na sua estação.
Esse ano não comprei tomates no inverno, somente os cerejas, pois continuavam com boa qualidade. Também não comprei abobrinhas e beringelas, assim, estamos ha quase seis meses sem comer ratatouille. Mas fiz algumas sopas de abóboras e cenouras de inverno, pra nos esquentar e nos nutrir do que precisávamos nesse periodo.
Nas nossas viagens começamos a fazer o mesmo, procurando experimentar os produtos locais, os pratos tipicos das regiões que visitamos e levar pra casa os queijos, biscoitos e bebidas artesanais.
Hoje terminamos nossa viagem assim, num restaurante à beira mar, comendo peixes. Em breve, estarei mais ainda nesse ciclo, plantando e colhendo meus próprios legumes na Horta Coletiva do bairro, onde acabei de ganhar um espaço de terra, como fazia na nossa horta de Cotia. Iago quer plantar pepinos, já podemos plantar os pés de tomate, que colherei no fim do verão e até pés de alface.
De um esforço pequeno e constante, podemos pouco a pouco mudar pequenas coisas no nosso dia a dia, que assim poderão ajudar a economia local e de quebra, a nossa saúde. 

Meu prato de hoje, Risoto de langoustines.

samedi 21 avril 2018

O tempo e a força da natureza

Hoje foi dia de caminhada. Tínhamos duas opções. O primeiro trajeto à direita da praia, com uma catedral e outras coisas. O segundo partia da praia à esquerda, passando por cima das falésias, tendo a vista aérea das praias, umas quatro que se seguiam; todas com arcos de passagem na maré baixa. Resolvemos pegar a esquerda.  Traçando o caminho indicado, a vista não podia deixar de ser incrivel, mas na primeira indicação de descida não pudemos resistir...como seria o inicio dessa aventura ?
O que no começo eram corrimãos, se transformaram em cordas para ajudar as descidas ingrimes quando as coxas falhavam...e ainda bem que as cordas estavam lá... A primeira escada enferrujada de pirata nos esperava no final, para alcançarmos a primeira praia de pedra. Foram vários arcos cercados de pedras limbosas e escorregadias, que me lembraram as caminhadas às pedras de mergulho em Boissucanga. Para evitar o escorregão não bastava escolher bem onde por o pé, era preciso sentir a superficie com toda a atenção possivel e então soltar o peso. Vacilava, dançava, era tombo na certa. Hoje não levei nenhum, mas assisti alguns do impaciente e apressado Iago. Tudo ao seu tempo. Minúsculas cascatas de água doce nos surpreenderam no caminho, todinho acompanhado com o perfume tão nostálgico das algas da costa de Olinda. 
Entre cordas e escadas de piratas, chegamos à última praia, onde não haviam mais arcos para atravessar. Não pude deixar de imaginar navios piratas encostando naquela costa e acessando aquelas pedras perfeitas para se esconder um tesouro...
 Tempo de descanso e piquenique, ao som das águas calmas.
Estávamos na Praia de Antifer, que alcançamos em 45 minutos de caminhada.
Na volta, fomos pelo alto das falésias, descobrindo os refúgios e as danças das gaivotas, até um helicóptero dos bombeiros chamar a atenção de todos. A maré tinha pego alguns desatentos de surpresa...


Não se brinca com a força da natureza, e hoje senti o quanto ela ainda tem a me ensinar...

vendredi 20 avril 2018

Arte pura normanda

Fugimos do calor de Paris para um final de semana na Normandia, na praia de Etretat. 
Quanto mais nos afastávamos da metrópole, mais suave a temperatura foi ficando. Após os inúmeros campos dourados de colza, a maresia foi aparecendo. A casinha antiga de pescadores guardou seu charme original, sutilmente valorizado pela dona da casa, com quadros e detalhes charmosos. Mas o que eu mais gostei foi o cheirinho de umidade logo na entrada...aquele perfume de mato úmido de casa de praia, gravado profundamente em minhas lembranças.


Conseguimos ir a praia as seis da tarde, uma obra de arte eternizada por Monet...nem o vento frio podia nos impedir de não querer mais partir dali. Daquelas falésias monumentais, terminando em ambas as pontas por esculturas atemporais, cujos contornos se modificavam com a árdua caminhada pela praia de pedra e pela luminosidade que ia revelando novos angulos a cada instante... sim, foi paixão à primeira vista !
O mar, que moldura tamanha beleza, vem quebrar num verde esmeralda sobre as pedras, se impondo num barulho imenso, criando muralhas de água impressionantes. Música nova aos meus ouvidos acostumados às ondas quebrando e rolando suavemente na areia...
Ainda é pouco o tempo que tivemos pra relaxar, mas um espaço começa a se abrir pra tantas impressões novas, que encontram as antigas sensações e criam outras ainda mais especiais... e hoje foi só o primeiro dia... 

jeudi 19 avril 2018

O retorno tão esperado

Aqui é oito ou oitenta. Ainda púnhamos duas blusas na semana passada, e hoje fechamos as janelas para a casa não esquentar demais.
O calor estava esperando as férias pra chegar, para fazer de repente os corpos procurarem a sombra, fugindo do sol que esperavam há tanto tempo ! Somos totalmente contraditórios, primeiro lamentamos sua ausência para em seguida fugir dele desesperadamente.
Com o calor, chega também o barulho, a excitação.
Pela manhã eram as máquinas da obra em frente e os gritos dos trabalhadores, na hora do almoço eles comeram juntos nos bancos da praça, sob as sombras das cerejeiras que começam a ganhar folhas. Enquanto eu arrumava a varanda, tirava a poeira dos cantos e as folhas secas, a vida explodia nas ruas.
Fim de tarde, já derretendo no sol, entro em casa pra fecha-la e mante-la fresca. Nos jardins dos fundos, é a vez das crianças sairem pra brincar na grama, correndo e rindo alto, risos ecoando entre os prédios. 
É; essa primavera com gosto de veranico de maio veio intensa, borbulhando o sangue do quarteirão, que está ainda, as 11h30 da noite, festejando o bom tempo na praça.

mercredi 18 avril 2018

Flores e frutos, cores e sabores

 A primavera chegou, e com ela todas as cores que pareciam ter partido hibernar no inverno, feito os ursos. Tudo começa com as florzinhas amarelas que aparecem sozinhas nos galhos secos, antes do frio ir embora e dos dias se prolongarem. Como dizendo chega, frio, sai pra lá.
Depois aparecem outras cores, as flores das cerejeiras brancas e rosas. E antes de maio chegar, surgem nos canteiros as tulipas brotando de um dia pro outro. Uma visita ao Jardim de Luxemburgo se impõe...
Para nossas papilas, os tão esperados morangos. Os espanhóis chegam primeiro, baratos e sem graça. Em seguida os gariguettes, ciflorettes, derretendo na boca quando estão frescos, colhidos no seu momento de maturidade.  Uma das vezes que estivemos na Alemanha nessa época do ano, fomos de bicicleta até uma enorme plantação com as crianças. Compramos morangos e framboesas, muitos devorados na hora.  Lembro das framboesas da Ayla, uma em cada dedo da mão, esperando sua vez de ser devorada. Muitos morangos se salvaram, e foram ajeitados numa torta de morango mais tarde na casa dos nossos amigos.

Em breve chegarão as cerejas. manchando nossas bocas, nossas roupas,  enchendo as mesas francesas de clafoutis e de confitures.
Nessa epoca, até podemos sentir que uma dose de gula é permitida, nesses frutos pequeninos que nos presenteiam com a doçura ácida da vida.  Eles nos convidam a festejar, a nos reunirmos ao redor de coisas simples, como um piquenique entre amigos, para sentar no chão, pisar na grama e, olhando pro céu, agradecer por mais uma primavera.

mardi 17 avril 2018

Vida em mosaico

Pedaços de pedras quebradas tentam se ajustar, não exatamente como num quebra cabeça, mas o mais próximo possivel. Poderíamos colocar os pedaços de pedras inteiros, mas ficaria tudo muito regular, muito perfeito. Quase frio, sem vida, como os azulejos milimetricamente colocados nos banheiros.
Mas a beleza do mosaico, é justamente o encontro das peças que mesmo quebradas se encaixam de alguma forma. A gente vira a peça de um lado e de outro até encontrar uma forma de encaixá-la da melhor maneira. Às vezes, procuramos por muito tempo encontrar a melhor peça para um espaço preciso.
Hoje passei cinco horas fazendo isso e não pude deixar de fazer um paralelo com a minha vida. Seus pedaços até que eram bem regulares até um certo momento, depois a gente acha que falta algo e resolve lapidar algumas pedras pra transformar parte da nossa vida, e os azulejos quadrados começam a mudar de forma. Lapidar dá trabalho, e podemos nos cortar, nos machucar. Mas o encontro dessas pedras lapidadas, vai formando um conjunto de grande beleza, um verdadeiro mosaico.
No começo não levava muito jeito pra encontrar as pedras que se encaixavam, parecia muito trabalho. Mas pouco a pouco, conforme o mosaico ia tomando forma, eu ia pegando o gosto de procurar as pedras atenciosamente, sabendo exatamente o que precisava; mais próximo do fim, há uma exigência de que as peças sejam ainda mais precisas. Aceitando o resultado inesperado, diferente do que imaginava, a beleza aparece e ganha o seu espaço.
Hoje eu sinto isso, que a vida é um grande mosaico que nos exige uma aceitação de lapidar essas pedras, nossos trajetos, que podem às vezes fazer mal, e sobretudo, estar preparado para lidar com o resultado inesperado. 

lundi 16 avril 2018

O mistério das cerejeiras japonesas

Hoje fui passear no parque com o Iago. Ele está em férias de Páscoa, que esse ano não coincidiu com a época da Páscoa.
Caminhamos juntos, de braços dados, queria dar quatro voltas, mas acabei cedendo aos seus apelos e dando somente duas. Todo o parque está com novas cores, o verde começa pouco a pouco a tomar conta, mas o que chama mesmo a atenção são as cerejeiras brancas floridas dali. No fim das nossas voltas, enquanto Iago retomava o fôlego, me aproximei de uma delas, tirei fotos de vários angulos, e pude apreciar o perfume doce e suave que exalava.
Bem diferente do dia anterior, quando quis dar uma passada no Parque de Sceaux para ver se as cerejeiras de la ja haviam florido. O florescimento dos campos de cerejeiras do parque é um acontecimento. Encontramos todas as origens asiaticas imaginaveis, e também aqueles que simplesmente não podem perder aquela sensação de se encontrar sob um mar de nuvens rosas que se movem ao sabor do vento.

Pois o mar era de gente ! Os botões estavam la, esperando ainda alguns dias para encantar plenamente, mas as homenagens ja se faziam, pelos kimonos elegantes, as fantasias improvisadas e os piqueniques aos pés das arvores. Nos vamos esperar um pouco mais, talvez uns dez dias, pra encarar mais um mar de gente...
Mas de onde vem essa fascinação ? Fui pesquisar sobre a simbologia das cerejeiras japonesas, e muitas lendas existem em torno disso. Uma delas é a de uma princesa que desceu do céu e aterrissou em uma cerejeira, que passou a se chamar  Sakura, devido ao nome da princesa. Outra tem relação ao cultivo do arroz e sua divindade (Sa) ; kura seria a morada da divindade.
No Japão o Hanami representa o acompanhamento do florescimento das arvores em varios locais diferentes, e os participantes festejam com piqueniques e saké, danças e músicas tipicas. Um pouco do que vi domingo por aqui. 
A miscigenação asiática também estava mais presente do que nos anos anteriores, fiquei feliz de cruzar mais casais misturados, e mais crianças lindas de uma beleza unica, da mistura imprevisivel de traços raciais diferentes que geram um terceiro, que por sua vez gerara um outro...
Mas uma das principais características da cerejeira é sua efemeridade. O fato de as flores durarem pouco tempo nos galhos das árvores impressionou muito os japoneses na Idade Média, período de guerras, o que fazia com que as pessoas sentissem que tinham a vida ameaçada a todo momento.
Finalmente, talvez saibamos inconscientemente e por isso festejamos essa efemeridade. Pelo instante presente, sem pensar no amanhã. Aqui, no Brasil, no Japão, e onde existir uma cerejeira japonesa florida para nos lembrar da beleza efemera da vida.

dimanche 15 avril 2018

A aliciella do Seu Meleto

Minha primeira aliciella foi um sucesso ! Fui atrás do meu pai pra saber como ele aprendera a receita. Depois de confabular com minha mãe, se lembraram que meu pai se interessou pela receita por se deliciar com as que fazia o Seu Meleto, sogro da minha tia Marcia, pai de meu tio Dante.
Seu Meleto (Amleto na verdade, mas escrevo como sempre o chamei) infelizmente não está mais entre nós. Ele tinha uma edícula no fundo do terreno da Praia Grande. Eu adorava aquela casa, era quente e aconchegante. Mesmo depois que construiram a casa no centro do terreno, gostava de dormir lá nos fundos, e de sair de bicicleta pra  passar correndo nas poças. Lembro dele e o tio Dante levando a tenda pronta pra praia que era bem pertinho. Aquela tenda enorme sendo levada pelos dois, igualmente grandes para meus olhos de criança, era uma cena impressionante pra mim.
Não me lembro de suas aliciellas, mas da sua companhia sempre alegre e sorridente, de sua tranquilidade e sua grande mesa de bilhar em cima da casa que tinha em Olinda. 
Hoje ainda comi o resto da Aliciella de ontem, essa receita da Calabria na Italia.  Descobri que os pescadores levavam o alice salgado para o barco e produziam estas pastas para serem comidos com "biscotti" que é um pão torrado bem típico do Sul da Itália e eram amolecidos com a água marinha. 

A receita que peguei com meu pai, que ele pegou com seu Meleto, foi feita com as anchovas italianas da Sicilia. Meu pai acrescentou cebolas na receita, eu estou pensando em acrescentar alcaparras, desde que a base que é a salsa e a alice não se estressem com tal acidez. Veremos qual delas passarei pra frente, caso um dia me peçam a receita...

samedi 14 avril 2018

À mais leveza nessa vida

Essa tarde terminei um pequeno livro, o primeiro de uma autora que escreve gostoso, com a leveza que tenho procurado ultimamente.
A vida parece as vezes mais pesada do que deveria, então nada melhor que umas boas risadas para suavizar dias chuvosos que tem impedido a primavera de se instalar.
Apesar da figura central ser um senhor um bocado ranzinza, que não assume muito bem sua vida, achando que todas as infelicidades são culpa dos outros; o livro guarda uma surpresa... A chegada de uma garota muito esperta no prédio onde mora. Ela ousa desafiar toda a lenda criada em volta da sua fama de serial killer, pelas senhoras demasiado fofoqueiras do predio, e decide conhecê-lo.
A ousadia da pequena surpreende e atordoa o ranzinza. Perdido diante de tanta inteligência e audácia, ele se rende a sua invasão diária do meio dia. Como a comida da cantina é deplorável, ela conquista aos poucos o coração dele, e a barriga com docinhos especiais. Pouco a pouco vão se conhecendo mais e mais, e ela traz uma doçura pra ele com sua espontaneidade de criança, sem que ele nem perceba.
Graças a ela, o livro fica leve, e essa relação improvável salva ambos da solidao, abrindo ainda outras portas.
Mais um livro onde a comida faz o pano de fundo das relações, quando palavras não conseguem expressar sentimentos, compartilhar uma refeiçāo, fazê-la especialmente para alguém, cria essa atmosfera unica de oferenda, reconhecimento, gratidão.
Também terminei meu dia de hoje nessa atmosfera leve, na casa da Dri e do Carlos. Cheguei com a alichella do meu pai, que fiz pela primeira vez para que provassem, e tive a sorte de experimentar o estrogonofe do Carlos, delicioso por sinal.
Numa mesa partilhada, a amizade se aprofunda, cria raizes e pode vir uma tempestade que não podera arranca-la mais da terra. Pois ela foi muito bem regada e adubada... 



vendredi 13 avril 2018

Num canto silencioso do Japao

Ao acordar, assisti encantada ao video da Marcia, que, em viagem ao Japão, filmou uma casa que teria sido da familia Amino. 
Ouvindo o barulho de seus passos nas folhas secas, vou descobrindo sua visão do espaço com encantamento e curiosidade. A casa clara de lindos lustres, que deviam iluminar uma  das portas, estava com as venezianas fechadas. Uma grande porta de madeira me fez imaginar uma enorme porta de correr, dessas que abrem toda uma peça da casa, que permite o arejar. Imaginei os sapatos deixados no beiral da varanda, numa noite quente de verão, onde estão todos sentados respirando o ar puro do bosque.
Sim, havia um bosque, com pedras traçando um caminho por ele, levando a uma escultura e estátuas de tsuru. Até uma ponte suspensa existia nessa casa de sonho...que é real.
Sonho era a casa do desenho de Hayao Miyazaki, "Meu vizinho Totoro". No inicio do filme, atravessamos juntos os arrozais japoneses até a chegada da nova casa da familia deliciosa da história. Casa misteriosa, com a mesma porta de correr, a mesma brisa de uma noite quente de verão. A simplicidade dos espaços amplos e vazios, que conseguem ser aconchegantes. A grande árvore, que parece guardar a casa e seus bichinhos misteriosos...
Será que o perfume de orvalho é diferente do daqui ? E do do Brasil ? A água era pega no poço, pra ser usada na cozinha, rústica e funcional, onde a menina mais velha preparava seus oniguiris e bentôs. Os animais sagrados que permeiam a história e a vida das meninas nos envolvem a ponto de querermos que eles existam... Uma doce poesia, com gosto de  infância ! 
Estive por alguns minutos junto contigo ai, Ma, nesse lugar silencioso, que inspira histórias e me fez querer registrar o que senti nessa manhã, ao escutar somente seus passos nesse registro.

jeudi 12 avril 2018

A moqueca que atravessou o oceano

Ontem achei uma salsinha tão linda que pensei imediatamente em fazer uma moqueca. As vezes isso acontece comigo, diante de um ingrediente bonito, o prato aparece na minha cabeça. Sei que a moqueca original da maioria das casas brasileiras usa coentro no lugar da salsinha, mas a turma aqui gosta não.
Comprada a salsinha, bora atras do peixe. Já tinha garantido dois lindos filés de cabillaud congelado, quando encontrei hoje um maravilhoso pedaço grosso e fresco !
A primeira vez que me deliciei com uma verdadeira moqueca foi numa praia da cidade de Caravelas, na Bahia. O restaurante na beira do mar era todo nosso, a praia estava vazia... Nos prepararam naquelas tradicionais panelas artesanais de barro, uma moqueca de peixe com pirão e arroz... A luz era fraca, passava pela palha que cobria o restaurante. Sentados nos chão; me encantei tanto com os perfumes, a textura daquele pirão divino, que pedi a receita da casa. Ainda guardo a lembrança daquele gosto. Bahiana sorridente, pegou seu caderno escreveu a receita explicando pra mim ao mesmo tempo. Parecia feliz em dividir seu conhecimento, talvez de uma receita herdada de familia, que ela não exitou em dividir.
 Chegando em casa, colei no meu livro de receitas, e ainda hoje dou uma olhada. 
Algum tempo depois da viagem ganhamos a panela da barro do Claudião, que estava conosco nesse dia, e  passei a prepará-la de vez em quando.
Agora aqui na França uso a panela esmaltada, com fundo grosso, e coloco o peixe só no fim, pra nao cozinhar muito. Astúcias que foram surgindo com o tempo e a adequação a cada peixe. Mas o pirão ainda é um mistério, pois depende sempre do caldo que a qualidade dos ingredientes em conjunto rendeu... A prova de que os bons pratos se fazem com bons ingredientes.


Essa moça que nos convidou a voltar sempre nem imagina que sua receita atravessou o oceano e já encantou muita gente. E que, se depender de mim, vai continuar encantando mais e mais...

mercredi 11 avril 2018

Pedra esculpida

O jardim da biblioteca é uma delicia. Tem uma árvore centenária no centro, rodeada por um deck em madeira e pela biblioteca em concreto.
Leio no sol, protegida do vento de abril. Uma mãe chega com seu pequeno. Ela  solta-o perto da escada. Ele contempla. Trocam olhares. Ele se sente a vontade para subir a escada engatinhando. Encontra as bolinhas que sinalizam os degraus para os cegos e se senta, tocando-as com a ponta dos dedos. Lança seu corpo de cabeça, dessa vez para descê-las. A mãe observa, pronta para agir se necessário . Ele desce as escadas engatinhando e balbuciando. Aproxima-se das plantas, acaricia e depois arranca. A mãe alcança sua mão antes que a leve à boca. Ele nem questiona. Agora ele esta de pé. Ela segura em suas mãos, silenciosa, enquanto ele vocaliza alto sua linguagem de bebê.

Apreende o mundo que o rodeia, é atraido pelo canto de um passarinho, pelos movimentos de uma pomba.
Volto no tempo do vazio pleno de observar um bebê. Da atenção que esvaziava os pensamentos, preenchidos pela observação dessa absorção imediata da vida. Um bebê é como uma pedra que ainda nao foi esculpida pela vida, e cada traço marca para sempre.
Acho que até hoje ainda não alcanço as medidas dessas marcas. Das que a vida fez em mim, e das que ainda vai fazer...

mardi 10 avril 2018

Sopro de ar fresco

Ao me sentar no trem logo percebi uma garota, talvez da idade do Iago, que comia delicadamente uma bomba. Pela cobertura brilhante e marrom, devia ser de caramelo. A delicadeza era tanta que ela conseguia ao mesmo tempo manter a bomba firme entre um envelope em cartao usando dois dedos, e com um terceiro ia empurrando-a por baixo, dando pequenas mordidas e mastigando lentamente. O avô, imagino que fosse, a observava vez ou outra, e a cada vez ela o oferecia um pedaço com um movimento de cabeça. Terminou sem uma migalha em torno da boca, e com os dedos praticamente limpos.
Delicadeza e destreza, me fez pensar imediatamente na minha amiga Fred. Igualmente loura, mas muito mais sorridente, Alias, acho que foi esse sorriso que nos aproximou, quando nossos filhos eram ainda bebes. Eu, ha pouco na França, cruzava sempre com ela com seu filho nos braços, enchendo -o de beijos. Nossos olhos se cruzavam e sorriamos com uma certa cumplicidade, como se partilhassemos esse amor de mae. Logo, os meninos começaram a estudar juntos, e ficaram amigos. Nos aproximamos mais, e passamos a ir a escola juntas para levar as crianças.Descobrimos que ambas gostavamos de escrever, e de conversar... A amizade que tinha nascido de um sorriso se aprofundara na confirmaçao das nossas enormes afinidades. Muitos aperitivos, confidencias, aniversarios que comemoramos  com seus crepes especiais.
Fred nao é muito de comer doces, mas os faz como os grandes chefes patissiers. A massa do seu crepe é preparada sempre na vespera, ou pelo menos algumas horas antes, para arejar o suficiente. Seus "canistralis", biscoitos corsas de receita herdada do pai, também sao sucesso absoluto.
Mas o que seria de uma boa comida, sem a sua companhia.  A cada encontro a certeza de uma cumplicidade profunda e inabalavel. Uma escuta infinita;  de disponibilidade. Ela areja a massa e também representa um sopro de ar puro na minha vida...
Quando precisar sei que posso contar com seus longos e apertados abraços, doces e generosos. Assim como ela permite a massa de se arejar, é um sopro de ar fresco nos meus dias...

lundi 9 avril 2018

Longo caminho percorrido, muito ainda à percorrer

Volto às Operas Russas. A cada intervalo entre as músicas, o especialista fez questão de nos detalhar a história contada por elas e as vividas por seus autores. O fazia com extrema destreza, riqueza de detalhes, como se tivesse participado de cada intriga da sua janela.
E elas são muitas.. envolvendo principalmente mulheres. Se elas não são as narradoras sofrendo horrores por amor, elas são a razão do sofrimento. Finais felizes não existem, terminam em duelos, envenenamentos e suicidios. Muitos dos quais os próprios autores viriam a passar...
Se por um lado é tocante ver esses autores transformando a dor em beleza, por outro é a prova da escravidão disfarçada pelas quais as mulheres dessa época eram obrigadas a se submeter. Valorizadas pela beleza fisica, menosprezadas pelas formas que encontravam de fugir dessa vida limitada.
Sinto uma profunda necessidade de saber mais sobre as mulheres que ousaram ir contra, que abriram as portas para que nós pudessemos estudar, votar, trabalhar e sermos reconhecidas por isso. E quantas portas ainda teremos que abrir, para preparar nossas filhas, noras e netas a compreender a importância da  liberdade de ser mulher...
Que possam vive-la plenamente, profundamente.

dimanche 8 avril 2018

A francesa mais carioca que conheço

Frequentávamos o mesmo lugar e pegávamos em seguida o mesmo trem. Eu nunca sei muito bem como me aproximar e sempre fiquei na minha. Até que um dia ela veio falar comigo no cais onde pegávamos o trem na mesma direçao. Me perguntou se eu era brasileira e, quando confirmei sorriu contente revelando que reconhecera o meu sotaque. Com os olhos brilhando pos-se a falar um bom português com um charmoso sotaque francês, puxando pro carioca. Mal sabia que começaríamos ali uma longa e profunda amizade.
Rememorava sua juventude no Rio dos anos oitenta, e seu sonho em voltar um dia. Com que prazer ela descobrira alguém para falar nossa lingua... e que sorte a minha de ser eu esse alguém !
Muitos trens pegamos juntas, e passamos a trocar o que gostávamos. Despedidas gostosas bem brasileiras quando eu descia do trem. Mais do que lembranças, partilhamos o amor pelo nosso pais secreto e distante.
Sabine me abriu ao universo do Orgânico, me presenteando uma levedo caseiro com o qual fiz muitos pães e panquecas. Por um tempo fálavamos muito nisso como se tivéssemos o mesmo bicho de estimação. Eu emprestava alguns discos que ela ainda não conhecia, e trouxe alguns deles do Brasil pra ela.
Como professora de piano, me trouxe oportunidades incriveis de acompanhá-la em Festivais de Musica, Concertos de Jazz e música contemporânea e até de apresentações de seu doce Paul, companheiro professor de música também. Cuidei da Chatouille, sua gata preta durante as férias de Natal, e ainda vejo sua sombra observando a vista da janela.
Vamos também ao cinema.Mais do que gostar dos mesmo filmes, apreciamos a companhia uma da outra.
Hoje tive a sorte se poder acompanhá-la a uma opera Russa. Nos olhávamos através dos nossos óculos, e às vezes sentia quando ela estava gostando ou não, outras riamos juntas talvez por termos a mesma impressão...

Foi precioso tê-la encontrado, como quando encontramos uma concha intacta em meio a outras quebradas e vazias. Ela é como uma concha brilhante e cheia de vida, que, quem sabe, nao está elaborando em si uma pérola... Fico feliz em poder estar por perto quando os reflexos das luzes refletem nela e a fazem brilhar.
Gratidão por ela ter se aproximado e permitido a construção dessa relação que talvez ainda nem conheça a dimensão...

samedi 7 avril 2018

Quando ele não está aqui

Meu "foforever" partiu para um acampamento do escoteiro hoje. Não é o primeiro, já acampou no inicio do inverno, mas dessa vez foi para longe e super equipado. Vai fazer falta essa noite perguntando o que tem pra comer.
Meu "foforever" acordou cedo, foi para a aula de coral de ônibus como faz todo sábado, mas pulou de alegria quando soube que seu pai iria buscá-lo.
Meu "foforever" guarda seus rancores. Não gosta muito de compartilhar. Fica bravo remoendo, lado emotivo dele. Quando desabafa, se livra daquilo e faz como se nada tivesse acontecido.
Meu "foforever" ama Bethânia, Chico César cantando "Mama Africa" e Elis Regina cantando  "Romaria", que cantamos em duas vozes no carro a caminho do conservatório.
Meu "foforever" é mediador no recreio da escola, e não falta na formação. Certamente ainda tem um longo percurso pra mediar conflitos, mas pelo menos não foge a essa responsabilidade.
Meu "foforever" já joga mais video game do que devia, começa a mudar de voz, mas me dá um abraço de urso quando acorda e quando vai dormir...
Vai meu "foforever", vai se construir que você será de qualquer jeito para sempre o nosso fofo.

vendredi 6 avril 2018

Fazer a sua parte

Passeando numa feira de Plantas e artesanatos encontrei  o stand de uma Associação chamada Colibri. Eles propunham uns ateliers de como fazer esponja e cesta com velhas camisetas e meias. Achei muito legal pra fazer com as roupas velhas e furadas que tenho vergonha de dar e tristeza de jogar fora.
O mais legal ainda era a inspiração : a lenda dos indios sul-americanos sobre o colibri. 
Diz a lenda que numa floresta densa um grande incendio começou. Todos os animais se refugiaram desesperados numa clareira, enquanto um minúsculo colibri corria de um lado para o outro enchendo seu bico de agua e jogando sobre o fogo. Muitos começaram a caçoar dele, dizendo que ele era louco. Ele só respondeu que, ao menos, estava fazendo a sua parte.
Sei o quanto isso é importante,  fazer a minha parte no pedacinho que me cabe, minha casa, meus amigos, as pessoas que cruzo. No que procuro comprar, no que jogo fora, nos gestos e palavras que exigem mudança. A maior parte do tempo é muito dificil. Consumir com consciencia, ajudando o pequeno produtor, exige um gasto maior. Se preocupar com os produtos que uso também. Selecionar o lixo e jogar fora tudo separado, da um trabalhão danado.
Mas ao menos tenho a consciencia tranquila, pois sei que estou tentando fazer a minha parte e nao ser cumplice daqueles que pensam no lucro acima de tudo, de todos e do futuro do planeta.
E o mais dificil é mudar de atitude, de habito, evitar o ranço machista e preconceituoso que ainda mora em mim, as vezes nos pequenos gestos. Mexer nisso também é fazer a minha parte.
Na foto, crianças fazendo uma esponja com pedaços de meias

Pode parecer distante, mas se nao agirmos como o colibri da lenda, nada ao nosso redor ira mudar.
Basta começar a fazer a sua parte...

jeudi 5 avril 2018

A visita do Murphy

Quando o Murphy vem nos visitar, nem pondo a vassoura atrás da porta.
Agora que o dia já está acabando imagino não ter mais o que temer.
Pois ele veio com tudo essa tarde. Encostei o carro rápido pra ir ao banco e na saída, esbarrei no canteiro de flores. Dois passos à frente sinto a direção puxando e estaciono, felizmente, num lugar seguro. Pneu furado.
Respira fundo. São 17h30, tenho uma hora pra dar conta. Tranquilo.
Não me lembro da última vez que troquei pneu, mas ajudei o Roti quando um deles furou na garagem. Só que esse estava no chão, o maldito canteiro rasgou o coitado, um dos novos que trocamos há menos de um ano. 
Bora pegar o material todo. Começo pelo manual, melhor não errar a ordem das coisas, rs. Acho toda a parafernália necessária e vou tirar o estepe do porta malas. Já me enfio uma farpa no dedo, tentando desrosquear o pneu. Rapidinho arranco, problema resolvido.
Me lembrava que era melhor soltar os parafusos da roda antes de levantar o carro. Ainda bem que temos a chave em cruz. A ginástica serviu pra alguma coisa, subo em cima da chave e solto três deles. Putz, o último é o anti-roubo. Pega a peça, tento de um jeito, de outro, troco de chave, olho o manual de novo. Lasqueira, não descubro como usar. Não dava pra ganhar a vida desse jeito, mas isso eu já sabia.
Bom, Ariel ta pela cidade, vou ligar pra ele. De qualquer jeito precisarei dele pra encaixar o macaco sob o carro. Esse macaco é um chiquoso que o Roti inventou de adquirir, querendo diminuir o esforço, só que não... o trambolho é mais alto do que devia, e temos que levantar o carro - isso mesmo - pra poder depois usá-lo para :  levantar o carro.
Não acredito, mas esqueci o celular em casa. Claro, uma vez lei de Murphy, ele continua à espreita. Paciência, tranco tudo e vou pegar o busão pra buscar o celular em casa. Aproveito pra avisar todo mundo do perrengue.   
Volto e uma alma nos ajuda à descobrir como funciona o parafuso anti-roubo. Ele até tenta nos ajudar a levantar o carro, meio incrédulo, e nesse meio tempo já tenho que buscar o Iago na música. De volta, decidimos procurar o macaco de alguém. Ligo para algumas amigas da cidade e saio para buscar o macaco de uma delas. 
Ariel e eu queimamos mais alguns neurônios tentando descobrir onde encaixá-lo. O menino não queria se arriscar do carro despencar no chão...mais uma alma mecânica passa e oferece ajuda. Já estava anoitecendo e só perguntei envergonhada onde tinha que encaixar o dito cujo. Ele agachou e nos mostrou.
Mais meia hora e estava feito, no perfeccionismo do Ariel, as rodas estarão bem presas até amanhã. Enquanto o Iago já reclamava de fome no carro, Ariel veio me acompanhando de skate até a estação de trem, onde fui pegar o Roti, que chega dizendo "Cheguei na hora certa hein ?". Se deu bem, o serviço já tinha sido terminado... 
Amanhã continua, atrás de borracheiro e pneu novo. Dei um chute na bunda do Murphy, ele que vá zanzar em outras redondezas, que por aqui já foi de bom tamanho...


mercredi 4 avril 2018

A transmissão no gesto

Estive com a minha querida amiga alemã ontem...lembram-se, a das bananas ?
No meio da nossa divertida conversa, ela me presenteia com um lindo ovo vermelho cozido, que tingira em casa como aprendeu com a família, me contando sobre os festejos da Páscoa na sua infância.
Como já me falara antes, ela sente uma espiritualidade muito grande nas idosas da família, como algo que não se pode transmitir oralmente. Uma presença misteriosa nas mulheres simples, dificil de explicar e entender, transmitidas por gestos. Além do Natal, a Páscoa é uma festa que tem como grande significado esse estar junto, renovando as tradições e perpetuando-as dessa forma, mas com um sentimento especial, a cada geração.
Lembrou-se de quando recolhia com os primos esses ovos coloridos no gramado durante essas festas em família. Ou então, do ritual da pintura dos ovos que eram esvaziados previamente. Fabricavam com os ovos pintados e os cozidos, lindas cestas para presentear quem viesse visitá-los no dia em que a "Lebre da Páscoa" passara...

Ao chegar em casa e contar pro Iago, me surpreendi que a sua professora de alemão trouxera um ovo vazio pra cada um dos seus alunos, repetindo também com eles a pintura dos ovos. Em seguida, juntaram os ovos pintados através de um fio, que atravessava cada ovo, de lado a lado. 
Dividi então, com ambos, em momentos diferentes do dia, a gostosa e divertida lembrança de quando participei quando criança dessa tradição na casa da Nona, que anos depois iria celebrar com o Nono meu casamento...
A Nona era casada com o Nono, italiano. Mas sua mãe que morava com eles era alemã. A Oma transmitiu a tradição à Nona que tentou nos ensinar o gesto da pintura dos ovos vazios. Me lembro da precisão de seu gesto numa pintura fina e delicada, e claro, do contraste dos nossos traços grosseiros de criança. O resultado realmente não era o mesmo, e rimos muito com essa minha impressão de incompreensão, porque não conseguia pintar tão bem quanto ela.
Lembranças doces, divididas e transmitidas com um gosto muito mais especial e duradouro do que nos trazem os ovos de chocolate de hoje em dia. 

mardi 3 avril 2018

O brilho de quem ama o que faz

Deve fazer uns seis anos que comecei a frequentar a Associação de ginastica da cidade. Queria muito fazer yoga, mas ela era a única que tinha os horários que combinavam com os das crianças na escola. Fui experimentar e gostei.
Professor da geração da minha mãe, de família de Guadalupe, Jean Pierre tem um bom humor inabalável; também pudera, rodeado de mulheres de todas as idades rindo de suas piadinhas e sorrindo depois de suas palavras de incentivo !
Fui ficando, fazendo novas amizades, levando amigas antigas para as aulas e de um dia pro outro, tinha me transformado na secretária do grupo, mandando e mails avisando das faltas dele, das férias e das festas que organizava. 
Esse ano, depois das férias de Natal ele ficou muito doente...devido à uma gripe mau curada, desenvolveu uma pericardite. Resultado, três meses de licença de trabalho, para o desespero de suas alunas adictas ao esporte, e à ele. 
Mais dia, menos dia ele acabou conseguindo encontrar um substituto para algumas de suas aulas. Nas primeiras aulas o rapaz quase acabou com a gente, e mais a faixa que passava dos setenta...a gente insistiu, sem querer acreditar que não estava tão em forma assim, mas a turma mais "avançada" acabou deixando a aula pra lá, esperando ansiosamente o retorno do mestre da voz doce e da pele dourada... 
Acompanhei o restabelecimento dele, almoçamos juntos aproveitando para atualizar a lista de alunos, e levantar um pouco seu astral. À beira da aposentadoria ser obrigado a parar completamente foi uma prova difícil para esse esportista de carteirinha. E não foi só pelos benefícios que o esporte traz,  mas pela atmosfera leve e divertida das aulas de ginástica e nambudô que, de uma hora pra outra, fôra obrigado a abandonar.
Hoje eu estava lá, entre as senhoras que o aplaudiram no seu retorno. O brilho em seu olhar foi indescritível, era muita felicidade num homem só. Dirigiu a aula como se nunca tivesse deixado de estar lá, como se fosse ali o seu lugar.
Foi tocante vê-lo se realizar fazendo o que gosta, e ainda fazendo bem pra mais trinta...