dimanche 14 avril 2019

Realização pessoal

Sentir-se realizada é um instante efêmero, e por isso tem que ser reconhecido.
Antes de criar a empresa e assumir ser microempresária, o desafio de uma feijoada pra 50 pessoas já tinha aparecido. Assumi. Tem quem diga por que dizer sim, eu digo por que não ? E ontem, realizei o feito. Apresentei "nossa" feijoada, que ficou cozinhando devagarinho o dia todo, pra mais de quarenta franceses. Couve, farofa, laranja e vinagrete acompanharam o arroz e nosso prato tradicional.
Comecei com as compras na quinta, a preparação dos legumes e do Manjar Branco na sexta e o cozimento da feijoada e todos os acompanhamentos no sábado. Cada detalhe pensado, nenhum imprevisto pelo caminho.
Cada prato servido seguia como um mistério colorido entregue. Cada um que se aproximava abria os olhos pra tentar imaginar o que comeriam. A satisfação de cada um que voltava me alimentava e acompanhei cada travessa se esvaziando.
Eles partiram para as quadras de tenis, enquanto voltei pra casa convencida de uma coisa : não tem desafio que eu não seja capaz de encarar, não há qualidade que não se possa alcançar com determinação e trabalho. 

Descobrindo a matemática

Há três meses minha cabeça se transformou em uma calculadora. Se soubesse que ia tropeçar na matemática a cada reflexão, acho que teria me exercitado mais... Não sou burra no assunto, mas reconheço uma lentidão e um espanto que beira a incompreensão...e num movimento de esforço puro, concentrado, o raciocínio aparece límpido. No trajeto não podem acontecer conversas paralelas, senão o caminho é interrompido. Como na leitura das notas musicais, onde devemos dirigir toda a concentração sem deixar pensamentos paralelos interferirem no percurso, para que as notas sejam reconhecidas como se fizessem parte da gente. Para que a lógica matemática deslize naturalmente em minha mente é preciso o mesmo movimento. 
Regra de três é vida incessante em movimento. Hora mudam a quantidade de pessoas, hora os ingredientes; quando não são os preços...
Ainda tenho um longo percurso pela frente nessa descoberta, a vida é curta pra tanto aprendizado que ela nos oferece, mas é vibrante perceber que ainda estamos vivos nesse jogo estimulante de percepção.

lundi 11 février 2019

Imprevistos Previstos - Imprévus prévus

Se preparar para os imprevistos leva tempo. Requer reflexão, longa e picotada. Vai e volta, aparece no meio do dia como um insight vigoroso e volta na madrugada como urgência impiedosa. 
Noites em meio à molhos, temperos, tomates maduros e salsinha fresca. 
Tudo sendo revisitado, nenhum detalhe podia passar batido. Organizar um evento exige imaginação, se projetar num tempo e espaço desconhecidos. Que apesar de estressante, é ao mesmo tempo estimulante. Assim se passaram duas semanas, até o sábado de Yemanjá glacial em Versalhes.
Tudo era desconhecido : o local de trabalho, os utensílios e as pessoas, que trabalhariam comigo no processo de algo também ainda desconhecido.
Quando cheguei o ambiente já tinha uma atmosfera descontraída, e os braços que ajudaram com as sacolas não hesitaram em descascar as mandiocas e picar as cebolas que tanto fizeram chorar. Entre taças de vinho, descobriram um pão de queijo quentinho. Restrições alimentares apareceram, e os imprevistos abriram lugar à flexibilidade.  As vezes o que exige mudança ensina a lidar com a incerteza, e um pensamento claro e determinado ganha vez. 
Minha respiração era curta até a Entrada alcançar as bocas. Um breve silêncio se fez. Partindo de uma receita testada em casa, mais mudanças foram acontecendo e, de forma intuitiva, desenhou-se um prato surpreendente e bem acolhido por todos. Os que apreciaram o encontro do creme de gengibre e do camarão sobre a maciez da mandioca simplesmente cozida, expressaram suas opiniões. E é de esquentar o coração quando uma unanimidade ressoa, fazendo valer a pena o peso das noites mal dormidas.
O tempo estava ao meu favor, nada foi servido frio, a quantidade foi precisa, os pratos circularam coloridos e perfumados, como um pedacinho do meu Brasil ensolarado...
E mesmo na sobremesa, a aprimorar, estava o sabor inconfundível da castanha do Pará, a quem honrarei com mais demora uma próxima vez. Toquei duas canções simples para encerrar a noite, transportando um ou outro à Copacabana.
Partindo quatro horas depois, me senti talvez mais alimentada do que aqueles que alimentei : mistérios de um alimento leve que me foi presenteado. Até um próximo evento...


Se préparer pour des imprévus demande du temps. Longue réflexion, qui vas et revient. Apparait en milieu de journée comme un rayon de lumière et revient au milieu de la nuit avec une urgence sans pitié. Des nuits plongés dans les sauces, assaisonnements, tomates mures et persil frais.
Tout était revu, aucun détail ne pouvais passer inaperçu. Organiser un événement exige de l'imagination, une projection dans un temps et un espace inconnus. Et malgré le stress, tout était aussi stimulant. Et ainsi se sont déroulés les deux semaines jusqu'a ce samedi à Versailles.
Cependant, tout était aussi inconnu : le lieu de travail, les ustensiles et les personnes qui travailleraient avec moi dans un déroulement tout autant inconnu.
A l'arrivée, l'ambiance avait déjà une atmosphère décontractée, et les bras qui m'ont aidé avec les sacs n'ont pas hésité à éplucher les maniocs et couper les oignons qui ont beaucoup fait pleurer. Entre les verres de vin, ils ont découvert des petits pains au fromage bien chauds. Des restrictions alimentaires sont apparus, et les imprévus ont ouvert une place à la flexibilité. Quelques fois ce qui exige un changement enseigne a se confronter avec l'incertitude, où une pensée claire et déterminée prend place.
Ma respiration était serré jusqu'a que l'Entrée arrive aux bouches. Un court silence s'est fait. En partant d'une recette testé a la maison, d'autres changements ont pris place, et de manière intuitive, un plat surprenant et qui a plu à tous a pris forme. Ceux qui ont apprécié le rencontre de la crème de gingembre avec les crevettes sur la douceur de la manioc simplement cuite, ont exprimé leurs avis. Et c'est de chauffer le coeur l'unanimité qui raisonne, qui paye les nuits mal dormis. Le temps était a mon coté, rien n'a été servi froid, la quantité était precise, les assiettes ont circulé colorés et parfumés, comme des petits bouts de mon Brésil ensoleillée...
Et même le dessert, à améliorer, révélait la saveur particulière de la noix d'Amazonie, a laquelle je ferai plus d'honneur une prochaine fois. J'ai joué deux petites chansons pour finaliser la nuit, et transporter quelques uns a Copacabana.
Quatre heures plus tard, je me sentais plus nourri que ceux que j'ai nourri; les mystères d'un aliment léger qui m'a été offert. Jusqu'a un prochain événement...

samedi 22 décembre 2018

Atravessada pelo divino

Talvez eu fale da mesma coisa de sempre, nessa época do ano. Mas dentro de mim ressoa como novo, esse ano que finda, mais um ano que constato, desesperadamente, que mal vi passar...
Como todo ano, espero ansiosamente pelo concerto de Natal da Orquestra do Conservatório, delicioso hábito cultivado desde os tempos em que Hector ainda cantava no Coral. De ano em ano, ainda guardo impressões preciosas desses mestres da música clássica que mal conheço, e que no entanto parecem tão próximos, tocando notas que não precisam de palavras para emocionar.
Mas este ano, ah; este ano. O verão e o inverno de Vivaldi ressoaram dentro de mim, meu presente e meu passado, como turbilhões de emoção. Sem pedir licença, completamente entregues à seus instrumentos, seres humanos se aproximaram do divino por alguns instantes. Desse divino silencioso em meio à entrega absoluta da tarefa de tocar. Flutuavam em conjunto, como um único organismo; dirigidos pela dança sempre precisa do maestro, cuja alegria impregnava a atmosfera desse lugar que ficou ainda mais sagrado nessa noite. Noite em que uma violonista parecia ter asas, e nos atravessou com seu arco como uma flecha de confiança e esperança. Vivaldi, nunca mais te escutarei da mesma forma, agora você vive dentro de mim... no mais profundo e precioso de mim.

dimanche 2 décembre 2018

A dimensão do homem

A missa do primeiro domingo do Advento coincidiu esse ano com o aniversário do homem mais importante da minha vida. Ele que me mostrou que homem pode e deve chorar, que sempre esteve lá sem nada dizer, dizendo muito mais do que as palavras podem contemplar. Um silêncio que acolhia as confusões dos sentimentos profundos, que ele, com sua sensibilidade e delicadeza, soube criar nos momentos em que mais precisei.
Nessa tranquilidade aparente, mora também uma inquietude infinita. Inquietude que sabe que na calma mora a vida. Essa aspiração que temos em comum, cada um na sua dimensão.
Quando desejamos a "Paz de Cristo" uns aos outros na missa, ao tocar a mão macia de uma criança, soube imediatamente o que buscava. A calma que Cristo teve diante da própria morte, que nos coloca em questão diante desse nosso grão de vida, que temos tanta dificuldade em honrar. 
E vamos caminhando juntos, meu pai, com nossas preces descombinadas, mas ainda assim sintonizadas, esperando que uma grande paz seja possivel. Dentro e fora de nós. Contando os domingos de Advento, que começaram com o seu, seguimos em busca desse encontro misterioso com o mais puro em nós. Na alegria de poder festejar o simbolismo de seu nascimento, renascemos. Você renasce hoje. Felicicidades !

jeudi 22 novembre 2018

O verdadeiro gosto do trabalho

Demoraram a amadurecer os tantos tomatinhos que ficaram enfeitando minha bancada, enquanto se bronzeavam ao sol de outono. Acabaram por rugir diante dos nudismos ocasionais da casa.
Recebi varios conselhos do que fazer com eles : uns fizeram geléia, outros picles; nem esperaram amadurecer. Resolvi me lançar no desafio de fazer tomates secos com os pequeninos. Só não tinha noção do labor...
Convidei o Iago pra me ajudar. Cortar ao meio e retirar as sementes sem amassá-los. Missão simples, mas que aos poucos foi se mostrando longa e fastidiosa. Já com os dedos enrugados, pediu para abandonar a função. Até que fôra longe, para a paciência de uma criança de dias de imediatismo. Talvez o lado escoteiro falou alto...
Para mim, as horas foram se mostrando longas, os músculos precisos dos dedos utilizados se cansando enquanto a cabeça acompanhava o gesto repetitivo, não sem uma certa angústia. Mais de três horas se passaram, para, por fim, encherem três vidros. Improvisando no tempero, fui atras de gostos que aprecio sem desrespeitar os constrastes. Azeite, alho, alcaparras e azeitonas pretas. Esgotada, o sábado a noite foi de um repouso justo, como o devem ser de quem labuta, da lavadeira de rio ao operário, do cozinheiro à vendedora. 
Do começo do plantio à colheita. Da espera, ao encontro pleno do trabalho terminado.
O resultado, só pude apreciar dias depois. E ali, naquele pedaço de pão amanhecido, pude me realizar com os encontros que a minha intuição sugerira, uma apreciação quase secreta, de mim pra mim mesma, da sutil surpresa inesperada. 

Os tomates e o pássaro.

Dias atrás, chegou a hora de me despedir de meus pés de tomate. Entre nós se criou um tipo de relação de mãe e filho; onde eu os nutria de cuidados e alimento, e eles me nutriam por sua vez com seus frutos. Enquanto eram doces e tenros, os colhi com escantamento e gratidão. Com um maravilhamento do milagre da vida, em sua forma mais perfeita. Mas com os dias mais curtos e menos ensolarados, os pequenos começaram a ficar extremamente ácidos. As geadas se anunciavam.
Reservei uma tarde calma e ensolarada, a horta estava vazia. Podia escutar os pardais que papeavam e de repente mudavam de lugar em revoada.
Colhia ternamente meus ultimos filhotes tomates, ainda verdes. Ia tentar amadurecê-los em casa. Um senhor havia me contado um segredo...que eles certamente iriam rugir se presenciassem nudez pela casa. Certeza que isso aconteceria em casa...
Já revirando a terra, me surpreendo com um passarinho de ventre laranja e bico fino que me olha fixamente. Fico imóvel de imediato, como se quisesse ficar transparente para que ele se aproximasse e não se sentisse ameaçado. E incrivelmente foi o que aconteceu. Me senti transparente, fazendo parte dessa terra, desse céu. Partilhando com ele esse instante, me retirando para que ele ocupasse o espaço. Instantes longos se passaram, de inusitada comunhão. Enquanto ele beliscava minhocas com o bico, fui me sentindo mais livre para também me mexer, como se ele permitisse que eu usufruisse de sua companhia, não se sentindo mais ameaçado. E do jeito que veio, se foi, me deixando ali, pequenina e inteira com meus tomates verdes.
O cansaço e o lamento de arrancar meus tomateiros, aos quais tinha me apegado profundamente, deram lugar a sensação de que tudo tem sua hora e lugar. Era a vez do pássaro se alimentar...