lundi 19 mars 2018

Estoura Pipoca, Maria Sororoca

Se minha avó Norma ainda estivesse entre nós, completaria hoje 85 anos. Queria homenageá-la com um relato das minhas memórias gustativas, pedacinhos dela que ficaram em mim.



A tarde, na casa dos meus avós era sempre uma festa. Na maioria das vezes minha vó nem perguntava, nosso nariz que sentia : Pipoca !!! E a gente corria pra cozinha. Na hora do lanche, era seu ritual : abria o armario com uma inconfundivel porta de fórmica xadrez azul clarinho, e tirava um saquinho cheio de milhos brilhantes, que seriam em breve também saltitantes. A panela, ela subia na cadeira para alcançar, ficava no alto do armário, guardada especialmente para isso.  O óleo usado nas vezes anteriores estava impregnado nela, e quando minha avó abria a panela, a gente pressentia o perfume.
O barulho do milho, mergulhando no dedinho de óleo do fundo da panela de aluminio começava forte e alto e depois logo diminuia, pois as sementes se juntavam, grudadinhas, lado a lado, pra esperarem o calor do óleo separá-las. Então, minha avó « feiticeira » cantava seu feitiço para o preparo daquela « poção mágica ». Ao mesmo tempo em que tilintava seus dedos na tampa da panela, eu me deixava levar hipnotizada pelo compasso do barulho de suas unhas batucando sobre a tampa, acompanhando o ritmo da música, que dizia assim : « Estoura pipoca, Maria Sororoca… Estoura pipoca, Maria Sororoca » cada vez mais rápido, conforme as pipocas iam estourando. Acelerando a canção, o tilintar de suas unhas vermelhas corriam para alcançar o som da vida das pipocas à se transformarem. Rodeando a fumaça perfumada que saia pelos furinhos daquela velha panela amassada pelo uso, percebiamos quando as pipocas, apertadinhas, quase pediam pra sair… se roçando umas contra as outras, me lembravam geladeiras de isopor, quando estão muito espremidas dentro do carro e parecem até resmungar para ganhar mais espaço.
Pronto, deleite colossal dos netos barulhentos, que calavam-se para nao perderem nenhum grão de pipoca. Depois de estarmos de barriga cheia, pegavamos a « vassourinha magica », pois minha avó, como boa feiticeira que era, também tinha uma… e as quatro bruxinhas mais o bruxinho recolhiam as migalhas espalhadas pelo carpete gasto do quartinho de televisão.
As Marias Sororocas me acompanham até hoje. A minha casinha de madeira tinha uma panela igual à dela, que já estava lá quando mudei. Uma boa feiticeira possui varios caldeirões, que passam de geração para geração… muitas festas e crianças sujas de terra batida ela alimentou, mas no avião pra França ela não entrou.
Não deixei de repetir o ritual desse lado do Atlântico. Iago ainda pequenino reconhecia a tampa de vidro transparente que usava e pedia sacudindo os dedinhos para que eu as preparasse. Pegava-o  no colo e entoávamos a canção, ele sorrindo, enquanto eu, desafiando o calor do fogo, balançava os dedos da minha mão. Faltavam as longas unhas vermelhas se agitando, mas a tampa transparente fazia ainda como se estivéssemos mesmo participando. Quando ela começava a embaçar e as pipocas a crepitar era sinal que o momento de acelerar chegara… Estoura pipoca, Maria Sororoca… e assim meus meninos também vão poder um dia cantar pra quem quiserem, perpetuando o encanto.


   Obrigada minha vó, tantas histórias eu herdei, tenho a vida toda para saboreá-las e dividir pedacinhos seus, que já terão certamente um pouco dos meus...  

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