samedi 31 mars 2018

Lembranças de Magrelas

Não estamos na Montmartre de Amelie Poulain, nem mesmo nos arredores do gostoso parque des Buttes Chaumont.
Mas temos nossa subida diária garantida por todos os lados. O que por um lado é vista garantida, põe o folego da gente à prova.
Até tentei me aventurar de bike por elas, mas confesso que ainda não consegui fazer da bicicleta meu meio de transporte. 
Nem pareço aquela menina apaixonada por uma magrela. Qualquer uma servia, grande sem alcançar o chão, pequena levantando o banco pra fazer bicicross no parquinho, só não sabia usar marcha , que praticamente nem existia nos anos 80.
Meu primeiro triciclo chamava bolão e andava com uma almofada atrás pra alcançar os pedais. Primeiras quedas e cicatrizes, bem gravadas na minha memória manchada de mercúrio cromo.
A queda histórica foi na descida perto de casa, quando não consegui fazer a curva e voei pela borda da calçada, que felizmente não existia, e aterrissei na grama sem nenhum arranhão. Sem capacete desciamos as ladeiras sem medo, cabelo ao vento, felizes da vida.
Mas minha lembrança mais forte é de uma curva precisa dos fundos de casa. Era uma curva que eu tinha que deitar um pouco a bicicleta pra fazer, e se não fizesse, ralava o joelho no chão. Não me lembro quantas vezes ralei, mas lembro bem da concentração exigida para executá-la, com atenção e velocidade, senão não tinha graça né ?
Mas eu não era só de ladeira...adorava pegar as bikes da Praia Grande, na casa do Seu Meleto e da Dona Olga. Elas eram enormes e pesadas, e pra pisar no chão tinha que descer do banco. Delicia sentir a maresia batendo no rosto enquanto desviava dos buracos que se escondiam sob as poças d'água pós chuva de verão. Já gostava de andar sozinha por aí, num encontro comigo mesma, numa época em que podíamos fazer isso sem receio.
Primavera chegando, quem sabe a coragem não me alcança e a bicicleta me seduz como nos bons velhos tempos de menina.

vendredi 30 mars 2018

A morte como um caminho

Desabei no sofá lá pelas sete da noite. Cansada. Contando quantas horas de trabalho não consideradas estão sobre as minhas costas. Depois de passar a tarde na faxina, sabendo que ela me esperará sexta que vem, deitei-me com o sol batendo pelo vidro e me aquecendo os braços.
Na minha navegação interná2utica me deparo com a história de Ana Beatriz Cerisara, a professora que recusou o tratamento contra o cancer terminal que acabou de levá-la. Ela conta seus últimos dias, com uma tranquilidade impressionante. Ela fala do tempo com um respeito e o olhar ao longe. Não consigo imaginar o que viveu desde sua decisão, mas pressinto o quanto precioso foi. Com os olhos cheios d'água, ela se sente abençoada por não sentir dores. Ela partiu seis dias depois da entrevista, e parecia mais saudavel que muitos com os quais cruzo por ai. Talvez mais que eu mesma... 
Talvez tenha encarado a morte como um caminho,  e não como um fim. Talvez tenha aprendido a respeitar o desconhecido, sem para tanto, temê-lo. 
Sua dignidade me inspirou a daquele que talvez tenha partido numa sexta feira - que se tornou santa- com essa tranquilidade, talvez com a certeza de que não seria esquecido, que sua história seria contada e recontada, mesmo que exageradamente interpretada. 

Tantos simbolismos moram na vida e na morte, na relação entre elas... e já saimos interpretando tudo. 
E se nos deixássemos impregnar por eles, silenciosamente; seríamos capazes de perceber seu verdadeiro significado ?

jeudi 29 mars 2018

Sem a devida Atenção

Pois é, na multiplicação e na soma, sabe-se bem que a ordem dos fatores não altera o produto. Eu diria que a mesma sentença não vale para a cozinha...
Estava há um certo tempo querendo fazer uma torta salgada, cujo recheio costumam ser os restos de carne moida com milho da refeição anterior. Sabe como é né ? Enfeitar o "restô d'onté"....
Na pressa, não percebi que a ordem indicada dos ingredientes correspondiam a ordem que deviam ser colocados no liquidicador. E olha que as minhas sábias ancestrais tinham ambas, talvez intuitivamente, transcrito a mesma receita exatamente igual. Não precisa ser chefe de cozinha pra saber que selar a carne garante que ela não perca o suco, que o peixe deve ser o ultimo a entrar na moqueca, que o recheio de qualquer torta tem que ser acrescentado úmido, mas sem estar encharcado, e frio. Finalmente, existe sim uma ordem.



Assim, vi que, na verdade, sou uma mistura de ansiedade e pretensão. Achava que conhecia a receita e finalmente fui obrigada a assumir que não; não tive o cuidado e a humildade de segui-la como deveria. E assim pago com o meu tempo que considero precioso, mas que não soube aproveitar com a devida atenção.
Tá bom vai, não é grave, mas isso me fez refletir e perder um bocado de farinha que ficou grudada no fundo do copo.
 A torta virou uma omelete e foi devorada do mesmo jeito. E eu darei muito mais atenção à sabedoria popular ancestral que tive a honra de ter registrada no meu livro de receitas.

 *Acima, a receita escrita à mão pela Neide, prima da minha vó; e a dedicatória singela da vó Norma, que já sugeria a divisão das tarefas da cozinha : " Para minha neta fazer muitos quitutes JUNTO com o seu querido Rogerio" em 1995, ano que nos casamos.

mercredi 28 mars 2018

Gentileza gera gentileza

Nessa manhã participei de uma atividade na escola do Iago sobre a Semana da Gentileza. A professora propôs que as crianças expressassem algo sobre o tema, através de desenhos, frases ou palavras. Amanhã os desenhos de cada um irão ser pendurados em varais na área de recreação da escola.
Acompanhei o esforço tremendo deles na elaboração de expressar algo que, portanto, deveria ser natural. Na verdade, o que percebi é temos dificuldade de imaginá-la, definí-la, e colocá-la em prática. 
Muitas crianças associavam a gentileza como o gesto de ajudar alguém em necessidade. Alguns expressavam as necessidades realmente como uma deficiência, pessoas em cadeiras de rodas, caídas no chão, como se a gentileza fosse exercida obrigatoriamente diante da fragilidade do outro. Perguntei a alguns se era preciso estar em situação de deficiência para receber um gesto de gentileza, e se, não estaríamos todos numa situação de deficiência de certa forma, e assim teríamos todos necessidade disso ? Me olharam intrigados, e senti esse silêncio como positivo, pois plantou um questionamento...
A professora me confirmou que para muitos, ser gentil é demonstrar fragilidade, é ser fraco, é não ter a força necessária e se deixar abusar pelos outros. 
Conversando com alguns, percebi que também não são ainda capazes de se aprofundar criticamente da questão, no entanto, para minha surpresa, de alguma forma muitos associam à um sentimento, ligando a gentileza ao amor, à ajudar até quem você não gosta, à paz que tanto se busca. A sensibilidade de uma criança ainda é uma porta de entrada cheia de esperança...


                                 
                               "Se todo mundo se amasse, o mundo seria melhor" Mohamedd

       
        "A paz não se compra, não se pede, é preciso encontrá-la - Ela mora no coração das pessoas ".          
                                                    Iago

                                        Amelie

" A gentileza é amar, cuidar e reparar os corações machucados"

Numa realidade tão rude como a que vivemos atualmente, a gentileza é realmente uma arma de amor que exige uma delicada inteligência, que só pode ser usada tendo como base um equilíbrio profundo, tão distante do que somos hoje. Pelo menos sabemos que ela existe, e que fazer uso dela exige um grande esforço, que vai além do que podemos imaginar...
Como ser gentil conscientemente ?

mardi 27 mars 2018

O domador do tempo

Hoje é aniversário do nosso highlander do Alto da Lapa. Alguns o chamam de Dr. Manzano, outros de "Seu", ou ainda simplesmente Biso. Alguma coisa que não sei muito bem, apenas pressinto, o impulsiona a querer viver cada vez mais. Hoje ele alcança seus 88 anos, mas quer mais, quer chegar aos 120...tenho certeza que aos 90 sua meta alcançara os 130...  
Essa célula paulistana viveu e teceu uma história rica de particularidades, algumas das quais pude participar...
Nasci e cresci bem pertinho dele. Foi principalmente a partir de seus "olhos" que pude desenvolver uma admiração e relação intima com o pouco que conheço da cidade de São Paulo. No entanto, posso dizer que são muitas lembranças carregadas de sentimento compartilhadas nesse convivio.
Meu avô foi dessas "células" trabalhadoras  que me parecem representar bem um típico paulistano da sua época. Lia vários jornais todos os dias, de ponta a ponta, incluindo os óbitos e as propagandas. Trabalhava desde jovem como contador, depois como advogado perambulando semanalmente pelos cantos do centro, Lapa e redondezas. Não precisava de guia, menos ainda de Google, pois ainda hoje conhece as ruas "de cor" ( de coração mesmo ) e ao explicar como chegar à algum lugar é capaz de fornecer ainda o melhor caminho, de acordo com o ponto de partida. E, claro, tem sempre alguma história guardada na manga ou uma piada a respeito do local, na ponta da língua. Não há, que eu saiba, um bairro desconhecido em seu itinerário.
E, como um viagem no tempo, remonta-nos , por meio de suas experiências ao seu passado, ainda tao vivo em sua memória, à essa época tão preciosa para ele.
Conta dos bondinhos, de seu primeiro automóvel, dos alagamentos que enfrentou em uma antiga casa e do dia a dia de seu antigo escritório de advocacia, que cheguei a conhecer. Lembra com impressionante exatidão do que eram as ruas e construções da época e mesmo a data que haviam sido construídas. Mas a voz muda ao se lembrar da vó Norma, presente em cada canto da casa.  Hoje, mais do que nunca, ele reconhece o valor dela e de sua mãe, das mulheres fortes e generosas que foram.



Ele quase arrancava nossos narizes, para desespero dos alérgicos, mas era só uma brincadeira desajeitada. Com o passar dos anos, os puxões de orelha e as ordens de limpar o prato foram se transformando numa doçura mais temperada e tolerante. Não esconde o brilho no olhar quando o coração é tocado, nem o trejeito maroto quando presenteia seus brinquinhos as damas de todas as idades, esperando nada mais que um sorriso em troca. 


Meu amor por voce meu avô, é dificil de explicar. só sei que sinto uma enorme gratidão por voce existir. Que você festeje muito hoje e todos os dias que virão...

lundi 26 mars 2018

Vivendo sob as rédeas do tempo

Conversando estes dias num café, com uma amiga, ela me perguntou sobre a nossa vinda à França, como viemos parar aqui e se tínhamos vontade de voltar.
Há dez anos chegávamos aqui, carregando os três filhos, achando que a aventura duraria mais 3 ou 5 anos...et voilà que ainda dura.
Todas as circunstâncias da vida que no fizeram voltar, acabaram quase se desfazendo na minha memória. Todo o apego a esse passado de explicações e justificativas haviam ficado guardados em algum lugar empoeirado de mim.
Revivi naquela conversa a resistência dos meninos. O engajamento imediato, mesmo que dolorido do Hector, que sempre se lançou abertamente e com confiança às nossas propostas; e a postura contrária do Ariel, que cruzando os braços afirmara um curto e grosso "Não, eu não vou". Não, eu não me lembro bem dos meus sentimentos nessa época, talvez fossem um bocado confusos, talvez eu compreendera, pela primeira vinda, que expectativa é um treco que só atrapalha. Segui algo que me atrai, uma vontade de se lançar no novo.

Voltando ainda mais alguns anos, me lembro do nosso primeiro período em Paris. Tão importante para nos fortalecermos quanto família, vivido tão intensamente. Mas nos últimos dias que antecederam o 13 de maio de 2005 criei uma expectativa do retorno que me traiu. Olha só, fôra traída por mim mesma !
Acreditem, é possível...
Muitas coisas não se passaram como eu esperava, e fiquei muito tempo perdida entre um desconforto de não sentir toda a felicidade que imaginara, e da falta que a França me fazia. Só ia compreender de verdade quando voltaria pra cá em 2008, que a cada mudança a vida se reinicia. 
A vida não dá um pause. A vida mora nesse tempo que depende em parte de nós mesmos, de como o utilizamos, do gosto novo que experimentamos nele a cada dia. E nós também não somos os mesmos, se prestarmos bem atenção...podemos não ver o tempo passar, mas ele tem efeito sobre nós diretamente...
Depois de oito anos na mesma cidade, há dois estamos na cidade vizinha. E tenho o pressentimento que não entendi ainda a amplitude das mudanças. Que tenho muito à aprender.
Só tenho um forte sentimento : que me tornei "filha" do mundo, sem um apego ao lugar onde estou, não pertenço mais ao Brasil, nem tampouco à França; é como se, por momentos, pudesse ter a sensação de não pertencer à lugar nenhum, à poder partir à qualquer momento pra qualquer lugar.
E essa impressão, tem um gosto enorme de liberdade... 

dimanche 25 mars 2018

Saudação ao sol

O sol iluminava a sala através do vidro,  e alaranjava a peça passando pela cortina da mesma cor. Um convite para abrir a porta. A varanda convidava, não havia vento. Aos poucos me entreguei à sensação de um corpo que se relaxa ao não se deparar com o atrito do frio habitual. Deitei-me no banco, deixei esse sol de primavera vir ao encontro dos meus poros. Para minha surpresa, ele me aquecia sem me fazer transpirar. Me entrego a essa impressão e adormeço um sono justo após uma manhã de trabalho.
Se fosse sonhar, sonharia com os longos dias de sol do verão de Boissucanga, entre o mar e o rio. Desse sol que me queimava, que esquentava, me aconchegava nos meus 15 anos. Desse sol que eu só deixava depois de vê-lo se deitando no mar em cada final de tarde.
Desde que me lembre, sempre fui viciada em sol, na sensação desse calor que se intensifica e se afasta com as passagens das nuvens. De olhos fechados, não dormia, me deixava hipnotizar por ele, seu ritmo; pelas longas esperas com o corpo em arrepio após o banho de mar. Minha história tem sua marca registrada em minha pele. Cada ruga conta um momento de felicidade desse encontro, onde me rendi ao seu poder de sedução. Uma história de amor entre o sol e eu.


Hoje não posso mais me entregar a ele completamente, algumas cicatrizes me põem em risco. Mas é o preço a pagar por esse amor sem fim, essa paixão inexplicavel que me incita a ficar, lá, onde seus raios possam me alcançar.
Esse reencontro anual na chegada da primavera me renova, me alimenta, me inspira à gratidão.
 A cada primavera meu corpo vai te esperar, para se sentir novamente acolhido pela atmosfera e pelos seus raios preciosos.

samedi 24 mars 2018

Espirito de festa

Hoje foi mais um dia de festa na casa da Dri, minha amiga brasuca que tem a Torre Eiffel de vista na sala. Seu irmão e sua cunhada vieram à pouco da Terrinha, e com eles trouxeram um cheirinho de Brasil...
Hoje era aniversário da Gabi...e fomos convidados. Não esperámos encontrar risóles de carne, camarão e...bolinho de bacalhau !!! Roti quase ajoelhou de alegria ! Parece brincadeira, mas se a gente tiver vontade de algo tipo pastéis, coxinhas, e afins...tem que fazer ! Não vai encontrar no buteco da esquina, pois ele nem existe. As iguarias foram encontradas numa loja portuguesa, de donos acolhedores e simpáticos.
Eramos só brasileiros, todos vindos por motivos variados, mas com a mesma leveza de se divertir com a situação de si mesmo, o mesmo carinho ao falar da família, suas tradições e histórias. Depois de muitas risadas, taças de vinho, e bons salgadinhos veio a cereja do bolo : o próprio. Preparado pelo Guto, um verdadeiro pão de ló decorado com os primeiros morangos da estação e framboesas gigantes, o bolo, não o Guto... 
Reencontro de pão de ló, inevitável lembrança dos bolos da minha avó. O famoso "Bolo de leite fervido" , cujas casquinhas da fôrma eram disputadas pelos dedos miúdos das crianças, admirados com a destreza da boleira.
Quantos cremes com ou sem frutas acompanhei, e em seguida raspei a panela ? Quantos chantillys aquela velha batedeira não preparou sob o olhar atento da boleira, pra não virar manteiga ? E sem perder a atmosfera de uma reunião festiva de preparo de festa, a gente acompanhava, abrindo as forminhas dos brigadeiros, beijinhos e moranguinhos que as mais velhas enrolavam. E depois guardava o primeiro pedaço do bolo pra São Cosme e Damião, e ainda fazia delivery embaixo da árvore da esquina.

E sem perder a atmosfera festiva, rindo até o ultimo minuto, voltamos para casa com um pedaço de bolo envolto de papel aluminio, assim como fazia a minha avó com os convidados que partiam depois da festa; talvez pra que cada um deles reencontrasse esse gosto no dia seguinte... 

vendredi 23 mars 2018

Herança de feiticeira

Quando encontrei meu casaco preferido não o tirei mais do corpo. Foi numa loja da Cruz Vermelha, e foram os melhores 10 euros que já gastei. O corte exclusivo, o zíper na diagonal, a cor preta e o forro em malha polar, era tudo o que eu precisava. Dias depois descobri que ele vinha com um capuz pontudo. No começo me sentia um duende, mas aos poucos assumi o chapéu de feiticeira. Me divirto em silêncio quando no metrô cruzo olhares e sorrisos de outras mulheres, apesar das crianças acharem que devo ser doida, ouvi eles cochichando na rua...


Como herdeira da minha vó, feiticeira na cozinha, resolvi aprofundar essa veia; mas não foi de imediato.
No livro "As mulheres que correm com os lobos", fui reconhecendo esse lado selvagem e indomável, sem no entanto ser nocivo ou prejudicial. Na verdade, por muito tempo, as feiticeiras foram vistas como nocivas pois quebravam e questionavam a hegemonia masculina e religiosa. Foram vistas como bruxas e loucas, pois ninguém estava disposta a compreendê-las, à se aproximar de seu universo e suas necessidades : dançar, amar e se expressar livremente, ocupar um espaço que é dela.
Aos cerceadores dessas feiticeiras incompreendidas só restou a tentativa de dominação, de impor a sua vontade. As mais calmas, acataram, em nome de uma segurança morna e de uma emoção constante. As indomáveis sofrem até hoje para serem ouvidas, mas não abandonarão, até a morte. 
Continuarão espalhando suas poções de amor, pela generosidade e dedicação, mas não aceitarão entrar no molde; estarão onde quiserem e onde puderem ser plenamente o que são.


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jeudi 22 mars 2018

Amizades pra uma vida

Quando a gente nasce, não tem amigos. Só pensa no peito da mãe, que, segundo Winnicot, é visto mais como uma continuidade nossa. Depois a gente percebe que não é bem assim, e começa a diferenciar os pais, irmãos, e conforme vai crescendo, aparece a necessidade de criar novas relações.
Eu fui uma criança timida. Não me lembro de sentir realmente vontade de ter amigos, mas as horas de recreio tinham que servir pra alguma coisa, então me lembro de participar de brincadeiras com os outros. Correr não era meu negócio, sabe aquela dor de lado ? Então, o jeito era passar despercebida, a ponto de ser sempre a última a morrer na queimada. Enfim, tinha lá minhas amiguinhas. Me lembro de estar correndo na rampa da nossa escola, que era uma descida daquelas, seguida de uma subida equivalente, e sem saber muito em que circunstâncias, uma delas me disse que ela gostava de mim "porque eu fazia tudo que ela queria". Só mais tarde fui entender o por que... Mas acho que era natural naquela idade, que as relações fossem baseadas em interesses. Eu morava numa indiferença, por estar naquela faixa de crianças que não eram nem lideres nem do fundão. Nem brilhantes, nem com grandes dificuldades. E até uma certa idade foi bem confortável.  Guardei uma grande amiga daquela época. Crescemos juntas, menstruamos pela primeira vez no mesmo dia e até trocamos de namorado; quando nos vemos, o tempo pára e nosso afeto e cumplicidade aparece, de imediato. 

Na adolescência trocava muito de grupo, mas era como se fossemos todos meio amigos, de uma maneira superficial, mas por termos os mesmos interesses, pertencíamos ao mesmo grupo. No meu TCC, me questionava o porquê de precisarmos viver em sociedade... 

Com o passar do tempo, a maneira de estabelecer relações de amizade foi cada vez mais se modificando. Num momento da minha vida, as novas amizades surgiram nos pais dos amigos das crianças, e muitos foram se aprofundando, laços firmes e indestrutíveis se criaram. Partilhávamos alegrias e preocupações, enquanto dividíamos um pedaço de bolo de fim de festa que não quer acabar, e aliviávamos um pouco o peso da rotina doida da maternidade.

Aqui na França as amizades foram acontecendo de maneiras diferentes. Amigos em comum, paises em comum, olhares cruzados na rua. Aniversários surpresas inesquecíveis, prova de um caminho percorrido juntas, construido com respeito e afeto.

Cada uma delas merece uma história especial, pois a presença dessas mulheres incriveis na minha vida deu a ela um verdadeiro sentido. Nas nossas conversas, pude escutar a mim mesma, em suas escutas generosas e conselhos preciosos, meu coração foi acolhido e tudo ao meu redor ganhou novas cores.


mercredi 21 mars 2018

A natureza do esforço

Todo mundo em casa é fã desses programas que acompanham de perto os comportamentos dos animais em seus habitats naturais. Com um misto de curiosidade e encantamento, a gente fica hipnotizado pelo capricho impressionante da natureza. Que sabedoria !
O início da primavera é muitas vezes o gatilho para o período reprodutivo. Explorando os animais marinhos, conheci ontem o Dragão Marinho, peixe ósseo da família do Cavalo Marinho. No ballet magnifico de acasalamento, cada um acompanha os movimentos do parceiro. Numa sincronicidade e delicadeza que inspira respeito e doçura. O resultado é uma camada de ovos que se desenvolve no macho, de um rosa brilhante que contrasta com suas cores maravilhosas. Pode-se dizer que ele fica um belo grávido ! 
Já os peixes palhaços, que se alojam no interior de uma anêmona pois são imunes ao seu veneno, também demonstram uma relação interessante na ocupação dos ovos. Após a fecundação, o macho cuida do seu desenvolvimento, para poder garantir a estabilidade do casal. Se ele não cuidar bem dos ovos, é expulso de casa e trocado por outro !
Outra história impressionante é a do peixe voador. As fêmeas poem os ovos entre as folhagens secas que bóiam no oceano, e os machos se apressam para fecundá-los. Muitos ousam entrar no emaranhado de ovos, que parecem teias de aranha, e para garantir sua herança genética, deixam a própria vida. E isso é de extrema importância, pois o peso dos peixes mortos fará o conjunto de folhas ficarem pesados, e descerem pro fundo, protegendo os ovos dos predadores. 
Os peixes trepadores do Hawai sobem seguindo o muro de pedra por trás da cachoeira, grudados num filete de água, travando uma luta contra o próprio cansaço. Os que conseguem chegar, atingem o lugar ideal para viver e se reproduzir em paz. Seus filhos serão levados ao mar, e todo o ciclo recomeçará.
Hoje o Iago quis continuar o programa e vimos um colibri maravilhoso com duas asas longas com uma pena nas pontas, que utilisa para dançar e cortejar a fêmea, numa dança maravilhosa ! Depois de se esgotar numa dança admirável, se pousa num galho e observa...que ela foi embora ! 
 

O que essas relações nos inspiram ? Onde podemos nos ver ? Qual o significado de todo esse esforço vital ?
Essa sabedoria da natureza me intriga, as razões dos processos misteriosos a que cada espécie se submete, não sem uma inteligência particular. Sou tocada profundamente e me sugere o quanto temos a aprender com ela, à nos abrirmos à essa sensibilidade que nos desperta.

mardi 20 mars 2018

O tempo amadurece o gosto

Lá pelas 10h da manhã de hoje eu já estava com fome. Comi uma mexirica pra enganar a barriga, ver se ela aguentava até o meio dia. Uma das grandes vantagens de cozinhar todo dia é que você escolhe o que vai comer. Confesso que acabei ficando mal acostumada...
Não tirava o espinafre com ovo da minha cabeça, e só depois de comer um dos melhores que já fiz, lentamente, sosseguei. Foi a melhor coisa que fiz hoje ! Fiquei fã na gestação do Hector, quando trabalhava de manhã e estudava à noite. Almoçava na minha avó que fazia com frequência, e depois tirava uma siesta daquelas.
Na verdade, nem sempre fui fã de espinafre...nem de abobrinha, alface, cebola. Fui chatinha pra comer, mas estava rodeada de cozinheiros inteligentes. Na época em que fritura era a regra, fui me acostumando à textura do espinafre e ao sabor da abobrinha nos bolinhos que minha avó fazia. Meu pai caprichava na beringela a parmegiana. Era de cair !
Hoje aprendi, depois desses anos todos, que o gosto da gente muda com o tempo. E faz parte do amadurecimento, da confiança e do paladar, a aproximação do novo. O Iago separa ainda muita coisa, cebola, champignon e tomate. Mas gosta de pepino, cenoura e brocolis, com o minimo de tempero, o mais natural possivel. Quem sabe possa vir a apreciar o que não gosta mais tarde ? Aprendo um pouco a cada dia, e nem sempre é fácil, a respeitar o gosto de cada um...desde que não precise fazer cinco pratos diferentes ! 
Aqui na França o processo de maturidade tem relação com a apreciação do queijo. As crianças começam com queijos suaves e jovens, e adolescentes começam a se aventurar por texturas e perfumes mais complexos. 
Incrivel como a relação com a comida pode revelar tanto de nós mesmos, nossos gostos e vontade de experimentar o novo.

lundi 19 mars 2018

Estoura Pipoca, Maria Sororoca

Se minha avó Norma ainda estivesse entre nós, completaria hoje 85 anos. Queria homenageá-la com um relato das minhas memórias gustativas, pedacinhos dela que ficaram em mim.



A tarde, na casa dos meus avós era sempre uma festa. Na maioria das vezes minha vó nem perguntava, nosso nariz que sentia : Pipoca !!! E a gente corria pra cozinha. Na hora do lanche, era seu ritual : abria o armario com uma inconfundivel porta de fórmica xadrez azul clarinho, e tirava um saquinho cheio de milhos brilhantes, que seriam em breve também saltitantes. A panela, ela subia na cadeira para alcançar, ficava no alto do armário, guardada especialmente para isso.  O óleo usado nas vezes anteriores estava impregnado nela, e quando minha avó abria a panela, a gente pressentia o perfume.
O barulho do milho, mergulhando no dedinho de óleo do fundo da panela de aluminio começava forte e alto e depois logo diminuia, pois as sementes se juntavam, grudadinhas, lado a lado, pra esperarem o calor do óleo separá-las. Então, minha avó « feiticeira » cantava seu feitiço para o preparo daquela « poção mágica ». Ao mesmo tempo em que tilintava seus dedos na tampa da panela, eu me deixava levar hipnotizada pelo compasso do barulho de suas unhas batucando sobre a tampa, acompanhando o ritmo da música, que dizia assim : « Estoura pipoca, Maria Sororoca… Estoura pipoca, Maria Sororoca » cada vez mais rápido, conforme as pipocas iam estourando. Acelerando a canção, o tilintar de suas unhas vermelhas corriam para alcançar o som da vida das pipocas à se transformarem. Rodeando a fumaça perfumada que saia pelos furinhos daquela velha panela amassada pelo uso, percebiamos quando as pipocas, apertadinhas, quase pediam pra sair… se roçando umas contra as outras, me lembravam geladeiras de isopor, quando estão muito espremidas dentro do carro e parecem até resmungar para ganhar mais espaço.
Pronto, deleite colossal dos netos barulhentos, que calavam-se para nao perderem nenhum grão de pipoca. Depois de estarmos de barriga cheia, pegavamos a « vassourinha magica », pois minha avó, como boa feiticeira que era, também tinha uma… e as quatro bruxinhas mais o bruxinho recolhiam as migalhas espalhadas pelo carpete gasto do quartinho de televisão.
As Marias Sororocas me acompanham até hoje. A minha casinha de madeira tinha uma panela igual à dela, que já estava lá quando mudei. Uma boa feiticeira possui varios caldeirões, que passam de geração para geração… muitas festas e crianças sujas de terra batida ela alimentou, mas no avião pra França ela não entrou.
Não deixei de repetir o ritual desse lado do Atlântico. Iago ainda pequenino reconhecia a tampa de vidro transparente que usava e pedia sacudindo os dedinhos para que eu as preparasse. Pegava-o  no colo e entoávamos a canção, ele sorrindo, enquanto eu, desafiando o calor do fogo, balançava os dedos da minha mão. Faltavam as longas unhas vermelhas se agitando, mas a tampa transparente fazia ainda como se estivéssemos mesmo participando. Quando ela começava a embaçar e as pipocas a crepitar era sinal que o momento de acelerar chegara… Estoura pipoca, Maria Sororoca… e assim meus meninos também vão poder um dia cantar pra quem quiserem, perpetuando o encanto.


   Obrigada minha vó, tantas histórias eu herdei, tenho a vida toda para saboreá-las e dividir pedacinhos seus, que já terão certamente um pouco dos meus...  

dimanche 18 mars 2018

Quem canta reza duas vezes

Esse ano o destino quis que eu voltasse a frequentar igrejas. Costumo frequentá-las pela beleza histórica, por sua atmosfera intimista, mas há tempos não participava mais dos ritos católicos.
Iago participa agora do grupo dos escoteiros da França, que está ligado pelos ideais e valores, à igreja católica francesa. Antes das reuniões, nos convidam a acompanhar a missa de domingo. 
E como moro num bairro com pessoas das mais várias origens, a igreja passou a ser um local onde me sinto muito a vontade, onde o acolhimento do outro é natural.
Tenho algumas lembranças esquisitas da minha vida católica até então. Apesar da minha catequese ter sido inesquecivel, a imponente atitude do padre da época me afastou da fé. Com 13 anos eu não me considerava uma pecadora, mas ainda assim tive que ouvir um sermão "que meus pais só procuravam a igreja quando precisavam". Bronquiei... 
Mas uma coisa eu não esqueci : o brilho nos olhos do seminarista que nos apresentava a Biblia. Ele dizia que quem canta reza duas vezes. E ele nos fazia cantar ! Até hoje ainda me pego cantando "O senhor é o meu pastor e nada me faltará ". E lá vamos eu e o Iago pra missa de domingo cantar !
Ele é meio resistente, cansa, não entende os ritos. Mas presta atenção nas histórias, e canta e conhece todas as letras. Depois das duas horas de missa vai correndo encontrar os amigos escoteiros pra brincar a tarde toda. 
Nessa casa, que é um pouco a proposta da igreja na comunidade, o padre é o mais simpático que já cruzei. Um negro alto de sorriso aberto de humildade e gratidão imensos, de fala simples, próxima a todas as origens que lá estão : francesas, africanas, sri-lankesas, e certamente muitas mais. Todos que partilham e desejam uns aos outros a Paz de Cristo.
Por alguns instantes a esperança renasce, a humanidade parece fazer sentido, na incompreensão das crianças barulhentas, nas vozes cantando e ecoando nesse domingo de quaresma.


samedi 17 mars 2018

O essencial mora na simplicidade

Hoje logo cedo me deparei com uma foto maravilhosa de uma grande amiga, na verdade, a responsável pela minha retomada na escrita. Jany está viajando com a filha Julia. Já passaram por lugares do Tibet, India e talvez outros países...e acompanhei cada passo delas pelo facebook, seu diário de viagem. Não vou falar detalhes de sua viagem, ela tem certamente muiiiito o que contar.
Fiquei impressionada com a sua mudança visível pouco a pouco. Eu sinto, sim eu sinto pela foto, que algo mudou...seu olhar, sua postura e até seu sorriso estão abertos, relaxados, exalando uma liberdade dificil de definir, apesar de todas as circunstâncias que viveram.
Me lembrei de uma viagem que mudou a minha visão sobre a vida. Em 1995, fui com o Roti para o Maranhão e aprendi mais em um mês de mochileira do que em três anos de facu. Aprendi a viver com o básico, a sentir o prazer imenso que mora no simples, no essencial. Semanas dormindo em redes, fazem a gente experimentar uma sensação inexplicável ao deitar numa cama; longas caminhadas, encontros com as pessoas, suas culturas, suas vidas. Criar proximidade e afinidade no inexistente. E o contato mais que intenso com a natureza, que faz a gente se sentir pequenininho e ao mesmo tempo indispensável.
Voltando pra Sampa, eu era outra. Meus olhos enxergavam tudo diferente. A TV soava falso, a natureza estava distante... mas eu ganhara uma paciência infinita. 
Infelizmente as camadas de civilizaçao se depositaram novamente. E lamento a cada dia essa distância da simplicidade, em nome de um conforto superficial e efêmero.
Espero um dia poder reencontrar esse olhar, que de fora me fez olhar pra dentro.

vendredi 16 mars 2018

Contrastes da vida

Ganhei uma planta chamada popularmente de Pé de Elefante, nas minhas 40 primaveras. Ele exige cuidados precisos. Quando completou dois anos, me senti autorizada a mudá-lo de vaso. Nunca antes disso.  Água, só a cada três semanas. Só luminosidade, sem sol direto. Agora, estou sentindo que ele está pedindo uma mudança de ares, quer se expandir, quer novos nutrientes.
Achei um vaso que condizia com seu porte, e fui atrás de um especialista no assunto pra ter a certeza de não estar fazendo nenhuma bobagem.
O cara sabia muito. E falava com um entusiasmo, como se as plantas fossem suas amigas íntimas, as quais ele conhece profundamente. Explicou-me que não tenho como saber se meu Pé de Elefante quer trocar de vaso, sem retirá-lo pra verificar suas raízes. Se as raízes estiverem espremidas, ele esta pedindo mudanças. É como uma criança de tênis apertados, que não sabe explicar ainda que o tênis tá apertando o pé. 
Enquanto me tranquilizava, afirmando que as folhas secarem e caírem era algo normal, me explicou a importância do estresse na vida das plantas. Se elas estão bem, não florescem. Mas quando estão sob um certo estresse, milagrosamente sentem que correm um risco de vida e lutam com todas as forças para se perpetuarem. Daí o florescimento ! 
Quando o tempo melhorar,  me aconselhou a colocar todas as que estão tranquilas dentro de casa do lado de fora , pra que sentissem a plenitude da mudança, em todas as nuances, todos os contrastes.
Sai de lá pensando...será que é isso que a vida espera da gente ? Que a gente dê o melhor é mais bonito de nós mesmos vivendo plenamente suas bençãos e desgraças ? 
Mistérios que nossos caminhos nos reservam... Assim como as plantas, simples e frágeis seres vivos, mas cheios de capacidades desconhecidas.

jeudi 15 mars 2018

A luta esta de luto

Logo cedo fui surpreendida pelo luto. Luto por alguém que eu nunca ouvira falar. Luto por uma injustiça tão profunda e enraizada. Por tudo que sempre lutei e ainda luto. Como se morresse um pedacinho de esperança dentro de mim.

Pois um país, e mesmo alguns lugares do mundo estão sentindo esse luto. Talvez algo de tão forte, que nem mesmo ela pudesse imaginar. Talvez algo de onde possa nascer a verdadeira Justiça. 
Ninguém mais vai esquecer Marielle, sua vida, sua luta.  
Que a justiça seja feita, por Marielle e por todas as pessoas que ele representava. 
Pra que sua partida, terrivel e que doi em todas nós, não tenha sido em vão.

mercredi 14 mars 2018

Construindo afinidades



Hoje eu e Tati polemizamos com nossas fotos com os novos cortes de cabelo. Muitos achando que a gente se parece e coisa e tal. No colégio, seus amigos nos confundiam, quando tínhamos os cabelos parecidos em corte e cor. Mas nunca nos fizemos passar uma pela outra, nossos temperamentos sempre foram diferentes. Nascemos com um pouco menos de dois anos de intervalo, e como é o caso aqui em casa com o Hector e o Ariel, somos como água e vinho, se bem que hoje em dia eu diria como o vinho branco e o tinto, rs.
Minhas lembranças de infância estão rodeadas pela sua presença. Sua irreverente agitação, um pedaço saltitante de gente, entusiasmada até os ossos, cujo riso era sempre forte e alto. Cuja personalidade não deixava nada passar. Assim como as histórias da minha mãe "armada" de um guarda chuva, me lembro bem que a Tati nunca levou desaforo pra casa. E além de se garantir, de quebra me protegia. Não lembro das encrencas na escola, mas me lembro bem das nossas. Aproveitávamos a saída da minha mãe pra sair no tapa e resolver as questões pendentes, como acontece de vez em quando entre irmãos. Lembro de um dia que não parei de bater nela até que ela chorasse, pois a Tati podia sofrer, mas não perdia a pose. Pois então, nesse momento parei e chorei junto com ela.
De qualquer jeito, as afinidades foram se desenhando com o passar dos anos. o respeito se aprofundando, e os desentendimentos se transformando em simples diferenças de ponto de vista. Como quando brincávamos na casinha e não tínhamos vontade de seguir uma mesma história... dávamos um jeito de estar juntas, cada uma seguindo seu caminho, que as vezes se cruzavam um momento ou outro.





Hoje continuamos assim. Nossos caminhos se cruzam, a distância não existe. Estamos presentes uma pra outra quando precisamos. E estaremos sempre.
E isso é o que mais importa. 

mardi 13 mars 2018

O futuro começa agora

Hoje recebi uma lembrança de quatro anos atrás, vinda dos meus arquivos de  fotos. Tínhamos acabado de retirar a carta de residente de 10 anos. 10 anos sem precisar pegar a fila na sub-prefeitura, 10 anos de certezas, 10 anos pela frente.
Tantas manhãs frias que não sentirei falta, assistindo silenciosamente pessoas em situações piores que a minha, com crianças, idosos, para tentarem continuar suas vidas na França. Ainda temos alguns anos para aproveitar dela...
Quando viemos pra França, era pra ficarmos 5 anos, mas as responsabilidades no trabalho do Roti foram aumentando, as crianças foram crescendo e avançando nos estudos, traçando seus caminhos. Todos traçaram seus caminhos, enquanto eu dava a retaguarda. 
Agora, sinto que fiz minha parte, de uma mãe que esteve durante 10 anos cuidando de tudo que a administração de uma casa exige. Falhei em muitas coisas, em me enganar com a papelada da nacionalidade francesa, em não deixar o espaço necessário para que cada um assumisse a sua parte com os cuidados da casa; mas meu maior erro foi o de não ir atrás de uma especialização ou mestrado enquanto tinha energia e vontade.
Hoje, sinto uma motivação e uma necessidade muito grandes de buscar um trabalho, mas uma insegurança e medo na mesma proporção. Comecei a pequenos passos, incertos, curtos, não vou desistir, mas caminho sem rumo certo.
Se houvesse seguido o conselho da Seiko, talvez não me sentisse numa estrada esburacada nesse momento. Então aproveito e passo adiante : nunca deixem de trabalhar somente para cuidar dos filhos; eles crescem (ainda bem), criam asas (se você permitir) e se mandam (sensação de trabalho feito:)... e de um dia pro outro nos encontraremos sós, fazendo tricô. Não me arrependo do caminho que tracei, mas poderia ter mantido minha vida profissional, se tivesse dividido tudo, se não tivesse me ocupado de tudo. 
Não sou a mulher maravilha, e nunca serei... ainda bem. 

lundi 12 mars 2018

A empatia é a chave

Todo mundo tem sua maneira de enxergar a vida. A forma muda com o tempo, mas me pergunto se no mais fundo de nós não existe uma Verdade, algo que é comum a todos.
Jogamos neste fim de semana um jogo onde cada um tinha que definir uma carta com uma palavra. O resto das pessoas tinham que tentar adivinhar dentre varias cartas qual era. E para isso  tentar pensar ou se colocar no lugar daquele que sugeriu a palavra. Por exemplo, tive uma carta onde duas pessoas sentadas num banco, uma lendo e a outra comendo uma maçã, estariam com uma mesma musica em mente...ou ouvindo ou pensando, não me lembro mais. Instintivamente disse "Vibrações celestiais". Somente o Hector acertou a carta, não porque pensa como eu, mas porque naquele momento fez o esforço de se colocar no meu lugar.
Acho que realmente é um exercicio que praticamos muito pouco, e que deviamos exercer muito mais. Se colocar no lugar do outro requer vontade, interesse, aceitação. E o mais bonito desse caminho, é que tentar sentir o que o outro sente na pele, pensar da maneira que o outro pensa; me faz sair da minha bolha pequena e pobre e me abre a um mundo de possibilidades, me mostra o quanto eu ainda tenho a aprender. Como é bom descobrir que ainda tenho muito o que aprender, a cada dia. E, ao mesmo que os outros também estão dispostos a se colocarem no meu lugar, e verem o porque com os meus olhos. Nem que, por enquanto, seja apenas no jogo, a empatia é certamente uma das chaves para a continuidade humana...

dimanche 11 mars 2018

A vida nos atravessa ?

O sol voltou. Não só em luminosidade como também em calor. Agora além de ficar mais tempo iluminando o dia, faz a gente sentir aquele calorzinho gostoso que dá vontade de arrancar a roupa.
Tenho andado muito pouco, e com o frio e o vento, não havia nenhuma razão pra me encorajar...de repente veio aquela vontade de fazer o trajeto que tenho feito de carro, à pé.
Um provérbio francês diz "Até o mês de Abril não se descubra nenhum fio"...e lá fui toda encapotada, quase não querendo acreditar na temperatura prevista, uns 15 graus. Felizmente pegara uma mochila, onde pude guardar meu casaco pesado há alguns passos de casa., e até tirar a echarpe e sentir a brisa ainda fresca alisar meu pescoço. Não sou muito de seguir provérbio mesmo...
Os brotos das árvores ainda não começaram a apontar, mas as primeiras florzinhas brancas que tem a sorte de serem mais banhadas pelo sol já estão anunciando a tão esperada primavera.
Pelo caminho, os amantes da corrida correm como sempre, os que tem medo de serem pegos desprevenidos pelo frio saem agasalhados como sempre; mas alguns mais sensiveis ousam um moletom e até mesmo uma camiseta na limpeza do jardim. Cruzo um estudante num banco da rua, atraido pelo sol, deixou a casa e veio atrás do calor; já que tinha que estudar no domingo, não tinha  melhor companhia né ?
Acho que a gente não se dá realmente conta da sua importância, e só quando a falta dele afeta o nosso humor, quando vemos que os dias cinzas se prolongam, que bate aquela saudade de um raio quente na pele, de um céu alaranjado festejando o final de um lindo dia.
Traços de uma vida que assistimos, sem muitas vezes fazer parte. Será que ela precisa de mim pra acontecer, ou será que sou eu quem preciso dela pra existir ?

samedi 10 mars 2018

Herança Culinária

Cresci na cozinha azul da minha avó, amadureci ao lado dos molhos de macarrão do meu pai; heranças que eles receberam e que me transmitiram. Da minha avó, não tinha como ser de outro jeito, pois era o espaço onde ela mais estava. Lugar de trabalho, passagem e muito movimento, na casa dela nunca faltava comida. Como o escritório do meu avô ficava em casa, ele convidava sempre clientes para almoçar de última hora. E pode botar água no feijão. O que era realmente enorme, e só vi há pouco tempo, é que a gente chegava e pedia um ovo frito ! Ela parava tudo e fazia... virando a frigideira de lado pra alcançar o óleo e regar a gema. Dos molhos do meu pai me aproximei bem mais tarde, já que minhas obrigações se focalizavam no jardim. A gente se deliciava com suas macarronadas, mas até uma certa idade, nao ousava pedir a receita : por que tentar imitar a perfeição ?
Agora é a minha vez de perpetuar a tradição.
Meu estrogo eles ja aprenderam. E é só meu, pois não faço nem a receita do meu pai, nem a da minha vó. O acompanhamento  de batata frita é tradição na minha sogra. Mas é uma unanimidade, prato pedido pelos amigos dos meninos quando viajam, que se transformou no preferido de muitos. Eles aprenderam a fazer ha pelo menos 5 anos, e certeza que ensinarão muita gente, do jeito próprio deles, assim como criei o meu.
 
Hoje resolvi fazer, pra sei pessoas. De repente soube que seríamos nove. Desce o Hector no supermercado buscar mais frango. Sobraram algumas colheradas "pro Santo".
Todo mundo feliz, uns de barriga mais cheia do que outros, e eu satisfeita de ver todo mundo satisfeito, alegria inexplicável de cozinheira. 

vendredi 9 mars 2018

O sentido no não dito

Acompanhei a classe do Iago ontem ao cinema. Várias outras classes também foram, todas da mesma faixa etária. O filme se chamava "Onde fica a casa do meu amigo", e foi feito por Abbas Kiarostami, iraniano, em 1987. Me pareceu que a proposta é levar a escola no cinema, e trazer filmes que provavelmente as crianças nunca assistiriam em outra ocasião. Além disso, fazê-los exercitar a leitura rápida, visto que o filme foi transmitido em versão original com legendas em francês.

Mesmo os mais agitados passaram a maior parte do tempo em grande silêncio. Não haviam muitas falas, as cenas eram longas e as imagens precisas e belas. O retrato de vilarejos simples, do cotidiano de famílias vivendo sem agua corrente, com a poesia do vento que balança as roupas no varal, e a luminosidade dando vida aos contornos artesanais das antigas janelas de ferro...
Ahmad é um garoto que procura pela casa do seu amigo, para devolver-lhe seu caderno que pegara por engano. O retrato rude de uma educação rígida e amedrontadora, onde seu melhor amigo corria o risco de ser expulso caso não fizesse o dever de casa no caderno, impulsionou o pequeno Ahmad a superar todos os obstáculos que cruzou pelo caminho.
De um olhar profundo e puro, a cada cena em que uma dificultava sua busca, podíamos sentir a angustia e ao mesmo a determinação de atingir seu objetivo, pelo sentimento partilhado com o amigo e seu sofrimento diante da humilhação do professor . Sem que ele diga nada, sentimos que ele não pode deixa-lo passar por isso novamente.
Diante da falta da escuta do adulto, Ahmad persevera, negocia, não desiste. Numa verdadeira corrida contra o tempo, mesmo recebendo a ajuda do único adulto que o escutou, ele não consegue encontrar a casa do amigo. Na manhã seguinte, chega com o ar curto e ambas as lições feitas, bem à tempo...
Um suspiro em coro se faz no cinema, que estava junto de Ahmad na sua busca pelas subidas estreitas e pelos becos escuros; partilhando a emoção da resolução do problema como se lá estivessem.
Indescritivel sensação, de um filme onde quase nada é dito, mas tudo pôde ser sentido. 
Para saber mais, em francês :
https://nanouk-ec.com/films/ou-est-la-maison-de-mon-ami%3F#cartepostale

jeudi 8 mars 2018

Somos árvores


Vi muitas delas hoje. Nuas, frágeis, indefesas. Desprotegidas, frente ao vento frio do inverno francês. A mostra, a beleza dos galhos que se afinam em direção ao céu, beleza escondida pelas folhas que representam naturalmente a vida. É quando estão despidas que vemos sua forma, que imaginamos sua história de vida, que tentamos entender sua simetria ou a falta dela, que faz transparecer sempre uma harmonia singular; que descobrimos seus ninhos mais antigos.
Se engana quem a associa a morte e a secura. Ao contrario, as árvores nuas estão retomando suas forças, hibernando. Esperando o momento certo de florescer e a partir de seus brotos explodir com esplendor, revelando a potencia da seiva que corria em suas veias, de maneira quase invisivel.
Essas árvores somos nós, caladas, esperando o momento preciso para abraçarmos o mundo em mais um ciclo de expansão. E esse dia vai chegar...




Escrevi o texto acima há um ano. Ele ainda vale pra esse ano. Gostaria que o momento de abraçarmos o mundo tivesse chegado. Gostaria que não precisássemos de um dia só pra nós, mulheres. Que pudéssemos viver igualmente, lado a lado dos homens em todos os âmbitos, dividindo os outros 364 dias. Muita coisa ainda precisa mudar, muita. E depende de todos nós, homens e mulheres, começando por aceitar a necessidade de mudança.
Mas esse dia vai chegar, ah vai ...

mercredi 7 mars 2018

Poltrona da entrega

Revivi hoje, num papo entre amigas, uma das minhas lembranças mais queridas. Uma delas contava da paixão de sua filha pelos livros. Gosta tanto de ler que há anos tem uma prateleira recheada de livros, que na infância era uma cabana. Classificava os livros de acordo com seus desejos de leitura, e diz que até hoje le várias trilogias ao mesmo tempo, variando de acordo com sua vontade no momento.
Eu, tenho ainda a nitida lembrança da imagem : sentada numa pequena poltrona, próxima a uma janela que deixava uma luz suave entrar. O ambiente era calmo e eu tinha a sensação de que tinha toda a vida pela frente. Era verdade, mas eu me sentia extremamente segura entre os livros, como se todas aquelas histórias estivessem lá, todas me esperando. E quantas histórias, que poderiam me levar a lugares inimagináveis, me transportar a vida dos personagens, saidos do sonho de alguém...
Assim eu li e reli livros - mesmo os "Infanto-Juvenis" - que me servem como um porto seguro, quando nada mais parece ter graça; ou que tem o poder de me fazer voltar a acreditar no futuro. Entrelinhas, o autor sempre entrega um pedacinho precioso de si mesmo. Como diz minha amiga Sophie : "todo livro tem sua pérola".

Dos rituais que se fazem quase que naturalmente quando me aproximo do final de um livro, como quando a gente se prepara pra terminar nosso prato predileto... salto a absoluta displiscência, depois de um tempo não lembro mais seu nome, como se houvesse rompido um relacionamento. O livro permite essa entrega e esse desapego ao mesmo tempo. Que vontade que deu de me aproximar da minha prateleira atual, onde tantas histórias desconhecidas ainda me esperam...

mardi 6 mars 2018

A alma francesa

Continuo ainda, me encantando e aprofundando, do patrimônio ancestral francês. Admiro sua maneira afetiva de tratar a terra, de tratar as antigas profissões artesanais, ambas passadas de pai para filho, depois de muitas gerações; com o mesmo sentimento e preocupação de honrar essa continuidade e ao mesmo tempo, atualizá-la as necessidades atuais.
A cada dia aumenta o numero de agricultores locais que se aproximam dos consumidores por meio das feiras, de pequenas cooperativas sem intermediários. O caminho é longo, pois as grandes distribuições e a comida de baixa qualidade é muito mais acessível, mas se compararmos o preço com a qualidade, e se conhecermos as histórias e percursos de cada artesão, reconhecemos e aderimos ao valor desses esforços .

Os grandes chefes de cozinha que se "escondem" pelos pequenos vilarejos franceses conhecem o caminho desses tesouros, pois eles mesmos tem a sensibilidade de trabalhar o alimento com o objetivo de honrá-lo. O criador de ovelhas que verifica diariamente se a grama esta suficientemente verde e forte para soltá-las de novo nos campos após o longo inverno, deseja ver a felicidade de seu rebanho, deseja vê-los crescer de forma saudável. A família que fabrica o queijo Mimollete juntos, onde cada um se ocupa de uma parte da fabricação, cuida da ordenha das vacas da maneira menos estressante possível para elas, e acaricia o produto final como um filho que chegou ao auge da sua vida. Do ultimo fabricante de tamancos em madeira, do ultimo que fabrica folhas artesanalmente a partir das arvores, de pessoas que tentam resgatar a fabricação de boinas de feltro, de guarda-chuvas, de tudo que possamos imaginar. A França tem uma alma profundamente grata à sua ancestralidade cultural, e ainda luta por isso. Talvez, ainda que intuitivamente, eles saibam dar a importância devida às suas origens.