mercredi 28 février 2018

Força e sensibilidade

Pra fugir do -6, eu e o Iago fomos ao cinema. Escolhemos o filme  Mary e a flor da bruxa, baseado no livro "A pequena Vassoura" de Mary Stewart. Mais uma delicia de um desses genios japoneses do desenho animado, que criam obras de arte para as crianças, cheios de poesia que apaixonam também os adultos.
Personagens comuns, crianças em bicicleta em meio à uma natureza intensa, adultos de uma doçura de avó de seios fartos gostosos de abraçar e amor inabalavel a qualquer travessura.
Mary passa por um processo de admirável auto superaçao e muda pouco a pouco conforme a aventura vai exigindo dela. De uma menina que pensa nao gostar de seus cabelos, que é desajeitada e insegura; vai desabrochando uma corajosa garota que se mete em encrencas, arrasta outros na roubada mas nao sossega enquanto nao consegue consertar a bagunça em que se meteu, levando outros juntos. É evidente o quanto as pessoas a sua volta influenciam sua auto-estima, e o quanto acredita em suas capacidades. E o mais bonito é ver que depois de atravessar os dois extremos, da baixa auto estima e de se sentir a melhor, a custa de pequenas mentiras; ela solta as duas maria-chiquinhas que seguravam seus cabelos, se suja toda e nao desiste de cumprir com a sua palavra. Se assume como ela é, e de quebra ainda salva o mocinho...ops...
Filmaço para empoderar nossas crianças, incentivando as meninas a assumirem sua força e os meninos a sua sensibilidade.
Partimos aquecidos prontos pra encarar o frio da volta.

mardi 27 février 2018

Miséria interior

Ontem a noite, me deitei ouvindo o vento balançar a veneziana do meu quarto. Barulho gostoso, mas fui pega ao mesmo tempo por um horrivel sentimento...do que devem sentir todos os 3000 "sem domicilio fixo" de Paris. Ontem a noite e nos proximos dias, teremos os dias mais frios dos ultimos tempos... -8 com sensaçao termica de -20 graus. 
A primeira vez que senti um frio desses foi num lugar maravilhoso chamado Annecy. Fui invadida por uma impressao de morte lenta, começando a perder a sensaçao das extremidades, dando um mal estar e uma sensaçao de indiferença ao que estava ao redor. Nosso amigo Nena estava la, e acho que guarda essa mesma lembrança. 
De que adianta estar em Paris, em tais condiçoes ? E por que nos somos imunes a essas pessoas que, independente dos motivos que as fizeram viver nestas condiçoes, nos pedem ajuda.
Claro que nao podemos ajudar a todos, mas eu nao aceitei colaborar mensalmente com os "Medecins du Monde" quando bateram a minha porta. Por que ? Porque tenho apego a todas as pequenas coisas que me rodeiam ? Porque sou mesquinha. Porque julgo o outro, como a sociedade me ensinou a fazer e nunca lutei contra. Que ridicula essa minha sensibilidade seletiva. Só dou quando recebo algo em troca, quando acho que a pessoa "merece". Doeu sentir tudo isso, mas imagina o quanto doi em cada um dos pedintes que cruzo e nada dou.
Um sabio, mestre de um ensinamento espiritual, disse a uma das suas discipulas, que se interrogava sobre nao conseguir ajudar todas as pessoas com as quais cruzara :
- Se voce nao tem condiçoes de faze-lo, ao menos reze sinceramente para que a próxima pessoa que cruzar com ela a ajude.
Nao, isso nao me exime e me liberta da minha miséria. Mas agora nao posso dizer que ela nao existe em mim, e talvez, numa outra oportunidade, agir de outro modo...


lundi 26 février 2018

A coruja e o vôo das crias

Peço sempre pro Iago descer na padaria pra comprar pão. Ele veste o que vê pela frente e desce, de chinelos, meio às pressas. As vezes leva dez minutos, as vezes cinco. 
Hoje descemos juntos. Fomos primeiro no mercado e em seguida na padaria. Todo descontraído já chegou falando "Bonjour" pra atendente, e ela em seguida perguntou pra ele toda sorridente onde estavam as claquettes...estava procurando os seus chinelos. Ficou surpresa que eu era a mãe dele, e disse que batem o maior papo,que sabe que ele toca um instrumento e que o chamou pra tocar no casamento do padeiro. 
Me lembrei de momentos parecidos com o Hector e o Ariel, quando nossos amigos me contavam de como eles eram sem a gente por perto. Do Hector, me lembro de quando ele ia pra casa da Silvia e do Fernando, pais do Guto; Silvia fazia questão de preparar um bolonhesa, pois gostava muito de vê-lo comer com gosto, apesar da cerimônia e delicadeza que sempre foi natural nele... e o Ariel era conhecido pelo seu entusiasmo e empolgação ao contar suas histórias na escola, unanimidade entre os professores.
Todos tinham perto de 10 anos, idade que começaram a abrir as asas, ensaiar os primeiros vôos, com a coragem destemida de não garantir a aterrissagem. Bom se sentir como a coruja que observa do alto o vôo das crias quase prontas pra vida, criando cada uma seu próprio traçado de vôo; nem sempre é fácil observar a aterrissagem desajeitada, mas sabemos que é nossa função, mais ainda, nossa obrigação. Torcer de longe que tudo dê certo...

dimanche 25 février 2018

Amizade festeira

Hoje fomos almoçar na casa da Dri e do Carlos, amigos, brasileiros, com quem dividimos muitos bons momentos destes últimos dez anos de França. Eles não moram muito longe de nós, e estão à um passinho de Paris. Aliás, eles tem uma vista secreta , que nos surpreende ao entrarmos, impressão que até hoje as vezes ainda se repete : a visão da Torre Eiffel, meio de ladinho, sabe ?
Então, a cada hora que ela pisca, eles podem vê-la, quando muda de cores por algum motivo também, e até nos fogos do 14 de julho ! Até poesia pra ela eu fiz, ao me encontrar diante desse novo angulo...
Dri preparou uma feijoada, eu levei um pudim e ainda as 5 da tarde estávamos na mesa entre conversas cruzadas, taças de vinho e a alegria do dia terminar mais tarde. Éramos praticamente dez brasileiros, que tinham como ponto comum a nacionalidade, a espontaneidade, o riso fácil. A falta de cerimônia, a generosidade e o prazer pela música. Com o tempo, as crianças cresceram, as relações se transformaram, mas nossa amizade continua inabalável, podemos passar meses sem nos ver, a cumplicidade sentida é sempre a mesma.
As crianças brincavam livres, como numa boa casa brasileira; e os adultos também...Enquanto uns dançam, outros assistem, e aos poucos, mais um domingo se deita e vemos que nunca termina o estar junto. Já temos um próximo encontro marcado, desta vez aproveitando o aniversário da Dri, que pode escolher entre o menu ou o bolo...liberdades que nos aproximam e que deixam um gostinho de quero mais.... Mais música, mais vinho, mais conversa boa e animada pra festejar o que vida tem de melhor : os bons amigos...e a gratidão por existirem... 

samedi 24 février 2018

Passeio sozinha, mas nunca só

Escolhi o momento menos frio desse sábado ensolarado pra dar uma volta. Escolhi onde ir : Parque de Sceaux. As quatro da tarde, oito graus, céu azul e vontade de mudar de ares.
Cheio estava, como sempre. Todos passeavam encapotados, procurando o sol, fugindo do vento. Nas escadarias do Castelo, hoje Museu da Ile de France, a proteção perfeita. Casais abraçadinhos, cachorros de casaquinhos, senhoras em seus casacos de pele e chapéus de estilos russo. Só que não dava pra ficar parada não...
Desci a rampa, contornando os desenhos traçados pela grama verdinha e os pinheiros podados pelos Edwards Mãos de Tesoura dos jardins. Escuto uma música,  e vejo um grupo de jovens cantando no meio do parque; as mulheres de vestido branco e os homens de calça e camisa branca. Não reconheci a língua, mas admirei a coragem de estarem lá, contra o vento, cantando juntos com as mãos pra cima como numa prece. Sento um pouco num dos bancos gelados, rapidamente um casal italiano divide um sanduíche ao meu lado, enquanto um pai corre em direção a filha e seu cachorro que esboçava um focinho sorridente. Acompanho os preparativos da festa do Joca, vixi Dani, esse ano não vai dar pra ajudar a encher bexiga, fica pra próxima...Tiro umas fotos do lindo dia e mando pra eles, que estão sempre comigo, esteja onde eu estiver, pra me alegrar com suas piadas, com os videos delicia do Joca, pra me escutar quando preciso desabafar ou trocar ideia sobre uma receita.
Por isso ando sozinha, diferente de todos os muitos que estavam a minha volta, mas nunca só.




vendredi 23 février 2018

Conciergerie mais viva do que nunca

Mais um dia de passeio na história de Paris. Visitamos a Conciergerie, residência real na época medieval e prisão revolucionária. Foi lá que Maria Antonieta, esposa de Luis XVI passou seus últimos dias antes de ser guilhotinada. 
Aluguei uma tablete pro Iago que mostrava a decoração original das salas em cada época : um parlamento de decoração duvidosa, salas escondidas que foram salas de refeição do rei, cozinhas medievais com lareiras imensas acesas, e até a cela que ficou Maria Antonieta ! Sua cama, seu baú com peças íntimas e os fios do papel de parede que ela arrancava pra passar o tempo fazendo tranças...impressionante !
Iago adorou o jogo de encontrar as medalhas em cada peça, prova que o uso da tecnologia pode ser realmente um aliado do conhecimento, despertando um interesse pelo passado em cada uma das suas fases, e em comparação com o presente.
Da tirania real, o espaço assistiu a tirania pós revolucionária, como se o homem pudesse mostrar a crueldade de ambos os lados, como se não pudéssemos negar os riscos que os extremos podem causar. Primeiro guilhotinaram os reis que exploravam os pobres, em seguida guilhotinaram os próprios revolucionários, considerados traidores da nova República. O período conhecido como "Terror"  termina com a morte de Robespierre, e a Revolução deixa finalmente sua marca profunda na sociedade atual, pela conquista de direitos jamais imaginados até então.
Uma visita que impõe reflexão, que desperta um interesse genuíno pela história que de alguma forma influencia a vida de todos nós ainda hoje.

jeudi 22 février 2018

Cantora ou desenhora

Há quase quinze anos vivi algo que me marcou profundamente. Foi na Alemanha, quando fomos passar o final de semana na casa da familia de amigos. Por acaso, eu fazia trinta anos no dia que assisti pela primeira vez a um concerto de música clássica numa igreja. Até então, só ouvira esse tipo de música nas propagandas da TV. Nunca tinha sentido as vibrações me atingirem de tal forma, nenhuma das músicas brasileiras que tanto amo não tinha me tocado de forma tão direta. Fiquei num estado de encantamento e emoção absolutos, impressões que nunca me deixaram. 
Pouco a pouco, tive a oportunidade de reviver esse sentimento, indo assistir aos concertos nos quais o Hector cantava no Coral. Percebi que quando as vozes vibravam em certas notas eu era atingida como quando a gente fica apaixonado, numa mistura de susto e alegria. 
Nesse ano, me deparei com novas possibilidades que me fazem reviver esse sonho de criança, e passei a sentir a incrivel vibração das notas ressoando dentro de mim mesma. E quanto mais profunda a sensação, mais dificil descreve-la. Só sei que está sendo um grande desafio o aprendizado das notas, da exigência dessa atenção absoluta pra reconhecer o som, e da concentração profunda necessaria a leitura das notas. Se fosse mais fácil, seria até terapêutico. Você tem que estar inteiro ali, com precisão; pra dar a nota certa e já ver a seguinte...um esforço que eu nunca tinha feito antes. 
E quando temos a oportunidade de cantar e sentir o som vibrando dentro da gente e alcançando a mesma vibração dos outros, parece até que a gente sai de dentro de si mesmo e passa a ser parte de outra coisa, maior, junto com as outras vozes. Tô vivendo esse aprendizado com uma alegria de criança, e agora não só debaixo do chuveiro.


mercredi 21 février 2018

Nos corredores das Catacumbas

Um dos passeios que o Iago queria fazer nestas férias era visitar as Catacumbas, então procurei saber o horário mais tranquilo e fomos encarar a fila. Nunca pensei que iríamos passar as quase duas horas mais longas e frias das nossas vidas. No começo tínhamos sol, mas depois de alguns passos ele foi se embora e fomos acolhidos por um vento daqueles. Faltavam dez pessoas na nossa frente, e o Iago começou a querer desistir. Estava realmente tenso : não sentia mais meu nariz e dedos das mãos. Certamente eu não resistiria muito tempo nos pólos terrestres... Milagrosamente chegara a nossa vez. O ar das profundezas de Paris que costumam ser úmidos e gelados fizeram efeito de brisa morna de beira mar, tal era nosso estado de picolé humanos.
Descemos 21 metros numa escada rotatória que parecia não ter fim, cruzamos com as marcas de colocação de colunas dos corredores. Algumas foram colocadas na idade média. E finalmente chegamos ao Ossoário, cuja entrada tinha os dizeres : "Pare, é aqui o império da morte". O que era a principio um esvaziamento dos cemitérios parisienses em 1780, foi transformado em obra de museu por Héricart de Thury, que organizou os ossos construindo formas, marcadas por frases reflexivas sobre a morte enquanto seus crânios anônimos encaram seus visitantes que, misteriosamente cochicham ou simplesmente seguem em silêncio. Iago seguia na minha frente, fascinado. Encantou-se com os crânios e seu brilho e ficou impressionado que alguns ainda tinham dentes. Curioso sua naturalidade diante dos ossos, apesar da morte ser uma questão que o intriga, como se não associasse os ossos aos humanos que foram um dia.
Deixo uma mensagem dos corredores à reflexão :
"Pensez le matin que vous n'irez peut être pas jusqu'au soir, et le soir que vous n'irez peut être pas jusqu'au matin".
"Pense pela manhã que talvez você não chegue até a noite, e pense à noite que talvez você não chegue até a manhã."
Um convite pra vivermos o instante presente ? 


mardi 20 février 2018

Aproveitando a oportunidade

Iago entrou de férias de Inverno nesse sábado. Em meio a felicidade de poder jogar online com os amigos, quase surtou ao perceber que sua tablet resolveu não recarregar mais a bateria. Trocamos de carregador várias vezes...nada. Verificamos a entrada do cabo... completamente frouxa e detonada. Só podia dar nisso.
Faz apenas seis meses que ele ganhou do pai de aniversário, e talvez um mês que começou a jogar online. Parece hipnotizado diante da tela : não escuta, fala alto, pois coloca os fone de ouvido pra discutir com os amigos enquanto joga, e não sabe parar. Acho que isso é o mais dificil...ele não sabe o momento de parar, nem tampouco escuta quando o colocamos pra ele. Cansa, viu...
Já passei por isso com os dois maiores, que viveram essa fase de vida social virtual e saíram dessa relativamente ilesos. Mas juro que não fazia questão nenhuma de viver isso de novo. To ficando véia, rs...
Vê-lo tristonho com a situação me preocupa muito, pois vejo o quanto ele é dependente desse estimulo que desencadeia uma vida morna e superficial. Ao mesmo tempo, essa ausência me dá a oportunidade de fazê-lo se interessar por um universo maravilhoso da arte e da história que está tão disponível pra nós.
Por alguns dias nas próximas duas semanas, o Lego e os gibis darão espaço para visitas resolvidas em conjunto : para a Conciergerie, prisão dos reis antes da guilhotina;  as Catacumbas e suas histórias misteriosas, e até o Museu do Homem, voltado para as três questões mais importantes da humanidade :
- Quem somos nós ? 
- De onde nós viemos ? 
- Para onde vamos ?
A descobrir...

Cada vez mais acredito que todo o supérfluo que nos cerca nos afasta de uma vida mais rica, mais profunda e simples.

lundi 19 février 2018

Nas terras Galante, Joca King é Rei !

Há dois anos você chegava ao mundo Joca King, o mais novo rei da casinha. Sabe Joca, você vai ouvir muito essa história, mas hoje vou deixá-la registrada para que leia quando quiser...
A tia Crys mora do outro lado do oceano, e veio de avião quando soube mais ou menos quando você chegaria. Talvez você já saiba como chama esse pássaro grande e barulhento de lata que passa no céu de vez em quando.
E quando eu começava a sobrevoar as terras brasileiras, você avisou a mamãe que ia chegar. Ela estava tranquila, pois a tia Crys que tinha prometido ajudá-la já estava chegando. Talvez você tenha sentido e aproveitado a deixa.
O destino quis que eu não sentisse você ainda na barriga da mamãe, mas que o visse no dia da minha chegada, ainda meia zonza de tanta emoção e da longa viagem. Sabe Joca, eu nunca vou esquecer o que senti nesse dia, foi como se um grande sonho meu, que eu dividia silenciosamente com a sua mãe, se realizasse. Acho que só senti algo assim quando seus primos nasceram... um treco que a gente chama de amor incondicional.
E, como numa história inventada de filme romântico, a gente se cruzou, mas em lados opostos na estrada. Talvez tivesse que ser assim, pra mamãe e o papai viverem plenamente e tranquilamente a sua chegada.
Naquele dia, quando te peguei no colo e senti seu cheirinho doce de bebê o tempo parou e se eternizou. Dali uns dias dormi sentada com você no colo, pra mamãe descansar. Você não se lembra, mas eu vou lembrar pra sempre. E do bom humor da sua mãe até quando acordava de madrugada caindo de sono. Uma lição pra mim !
Nas primeiras batucadas ouvindo Palavra Cantada, no seu olhar profundo que se perde ao longe, na sua expressão autêntica e pura de criança, vou te vendo crescer de longe e te amando mais e mais.

Que esse seu olhar profundo alcance longe, te ajude a entender o porque das coisas da vida. Ela é linda Joca, você vai ver...

dimanche 18 février 2018

Surpresas da máquina humana

Neste primeiro final de semana de férias de inverno e o Iago teve a oportunidade de participar de um Atelier de Human Beatbox, no conservatório onde tem aula. Esse tipo de proposta musical extrai ritmos e sons do corpo humano, imitando instrumentos.
Uma tarde inteira de trabalho de ritmo no sábado, e mais toda a manhã do domingo. Fomos convidados pra assistir o resultado de tudo isso.
Seis alunos, guiados pelo "maestro do ritmo" se expressaram com sensibilidade, concentração e sintonia. O ritmo que seguia o tempo, que mudava, se transformava em outros, sem portanto perder o fio do todo. Cada participante podia usar ou não seu instrumento, neste caso, todos de cordas : violino, alto, violoncelo e contrabaixo. E enquanto tocavam algo em seus instrumentos, executavam outra melodia com a boca. Os gestos do maestro dirigiam a concentração de cada um deles de forma impressionante, no ar pairava uma atmosfera de atenção intensa. E essa meia hora impressionante terminou com a liberdade dos solos de cada um, e da cumplicidade leve que circulava no grupo de jovens.
Ainda me pego boquiaberta, impressionada cada vez mais com a capacidade dessa nossa máquina, que usamos tão pouco, cuidamos tão raramente e desconhecemos os limites.
Até aonde será que vai a capacidade humana ? Quantos mistérios ainda desconhecemos sobre nós mesmos ?     

samedi 17 février 2018

Nostalgia do simples

Estou aqui sentada na sala de jantar, sentindo o sol se pôr no meu rosto através do vidro. Seu calor é artificial, combinado com o aquecimento do apartamento, mas já tá de bom tamanho pra quem tem visto tão pouco o astro-rei. Melhor seria estar à beira mar, lá onde tudo é harmônico e favorável pra uma perfeita qualidade de vida, ao balanço das ondas do mar, da brisa salgada e perfumada de alga, da musica única que nos presenteia o oceano.
Foi assistindo um documentário chamado Given, que voltei por alguns instantes à essa vida simples, que experimentávamos viajando quando os meninos eram pequenos. As lembranças são tão frescas e repletas de cheiros e gostos, que voltaram assim que ouvi a narração do pequeno que acompanhava seus pais viajando em busca do Grande Peixe. Na sua visão tão pura e limpa de criança, sem artefatos, relembrei quantos momentos simples e profundos vivemos.
Posso falar de muitas delas, mas queria lembrar hoje da viagem que fizemos subindo a Costa Norte de Salvador, a Linha Verde. Foi em 1999, pois o Ariel ainda tinha 11 meses, e o Hector menos de 2 anos.
Com o carro do nosso amigo Nena, parávamos aleatoriamente nas praias, encalhando em estradas de areia, descobrindo cantos intocados, aldeias de hippies, céus estrelados. Não tínhamos reserva de hotel, procurávamos ao anoitecer. Conheciamos duas praias por dia, e entre elas os meninos faziam a siesta. Ariel engatinhava e comia muita areia, Hector desenhava o dia inteiro na areia e corria brincando em liberdade. Dos tucanos que nos acordaram em Mangue Seco e da Moqueca de Camarões recém pescados de Boipeba, fica a vontade de voltar a essa vida simples, desapegada, vivida a cada instante.
Vai ficando claro que o supérfluo e a superficialidade que nos rodeia nos distancia desse tempo vivido, tempo que exercita a paciência, como a da procura incansável do "Grande Peixe".
Espero poder voltar a experimentar esse desapego antes de ter meu rosto coberto de linhas, como indamente o menino Given definiu um homem idoso que encontrou em seu caminho.

vendredi 16 février 2018

Douceur bienveillante

Se eu pudesse, escreveria uma carta ao M. Yves Duteil, que nunca tinha ouvido falar até hoje. Cantor francês, festeja seus 45 anos de carreira, e se diz militante da doçura. Fiquei intrigada com esse termo, e de como ele mexeu comigo no dia de hoje. 

Uma doçura que eu manifestava se perdeu pouco a pouco, foi sorrateiramente substituída por um grito; vencido por antecipação. Pois, M. Dutiel, como homem, é fácil militar pela doçura. A doçura da feminilidade, não rendeu frutos. Essa doçura nos traiu. Nos iludiu e nos distanciou do respeito. Criou uma imagem de fragilidade e dependência.
E o grito, ah, o grito também não resolveu nada. Quem ganha no grito ? A gente não ganha, mas pelo menos é ouvida. Infelizmente é preciso gritar pra ser ouvida nos dias de hoje. E cansa, cansa muito, ter se distanciado de uma outra doçura, mais intima, natural, que não era carregada de rótulos, mas que situava. Só agora vejo que não são as mesmas. Sinto isso profundamente.
Você, M. Dutiel, conseguiu de uma certa forma se aproximar de uma doçura espiritual. E quando eu o ouvi, senti imediatamente : sua conexão interior, com o que é frágil e forte ao mesmo tempo, cuja preciosidade você reconhece.
Sim, essa doçura misteriosa ainda mora em mim, posso sentir. Ela esta somente à espera para se manifestar. E, enquanto ela não encontra espaço, vou me esgotando pelo grito, sem encontrar um equilíbrio.

"Quelles que soient nos religions, nos croyances ou nos cultures, nous portons ce mystère comme une étincelle… C’est un mot d’amour, la graine d’un fruit, un pollen invisible qui féconde la terre et attend la saison propice pour germer, grandir et prospérer. C’est une pensée dans un jardin, une oasis peut-être ? Une espérance. "

"Sejam quais forem nossas religiões, nossos credos ou culturas, nós carregamos esse mistério como uma chama...É uma palavra de amor, o grão de um fruto, o pólen invisível que fecunda a terra e espera a estação propícia para germinar, crescer e prosperar. É um pensamento num jardim, um oasis talvez ? Uma esperança."


jeudi 15 février 2018

De l'obscurité jailli la lumière

Um programa mostrava lugares paradisíacos da Africa do Sul : aguas transparentes que cercavam praias de montanhas rochosas impressionantes. Uma delas, numa ilha, abrigava a prisão onde Nelson Mandela passara 25 anos de sua vida. Não tenho idéia como alguém consegue sair relativamente ileso após viver 25 anos prisioneiro. Mas, no instante que ele afirmou "Da escuridão jorra a luz", pude pressentir como conseguira sobreviver. Em mim, ressoou como se,  nas profundezas de uma situação de tamanha escuridão, não houvesse nada mais fácil de jorrar do que a luz. Como se nada pudesse ser mais presente na escuridão do que um infimo raio de luz. Foi tão claro !
Sinto que os opostos só podem existir plenamente pois têm um ao outro, e mais que isso, na afirmação de Jean Paul Sartre : "Plus claire la lumière, plus sombre l'obscurité...Il est impossible d'apprécier correctement la lumière, sans connaître les ténèbres"...
Que quer dizer : "Quanto mais clara a luz, mais sombria a escuridão...é impossível apreciar corretamente a luz, sem conhecer as trevas."

Cada um de nós possui suas trevas, isso é algo que não podemos negar. Outra, é que temos medo delas, de nos aproximarmos e sermos engolidos pelas nossas próprias angustias. O que me intriga é que, se procuramos tanto a luz, por que não vemos que o unico caminho  é reconhecermos esse lado obscuro que nos habita; seja quando as circunstâncias nos impõem, seja nos aproximando, voluntariamente, o que é muito dificíl.  Diria que na verdade, não temos essa capacidade.
Mas ainda tenho fé que há um gesto mais natural que poderá diluir esse medo pra que apreciemos de forma justa a escuridão de nossas trevas.

mercredi 14 février 2018

Love is in the air

Eles entraram no vagão da linha 6 já chamando a atenção. Espera, Saint Valentin não é só amanhã ? Mas desde quando é preciso data pra amar, Crystiane ?
Ele, com seu gorro de rena do nariz vermelho e chifres brancos em feltro, de cara, me arrancou um sorriso. E como lhe caía bem... Ela, o olhava com um sorriso de canto de boca...
O espaço era deles, dançavam entre os canos, ao sabor do balanço do trem. Eu já nem disfarçava mais, observando cada segundo pra não perder o clima entre os dois.
Acho que até a Torre Eiffel deu uma piscadinha quando passamos sobre o Sena, testemunhando o Amor. Ta bom, talvez nem o seja ainda, talvez só seja aquele turbilhão de emoções que chamamos paixão, da descoberta de algo que ainda não tem forma, e talvez nem venha a ter um dia... talvez seja daquele instante e nada mais, talvez seja do meu olhar a enxergar uma possível cumplicidade que pode vir a ser... 
E girando se beijavam e deixavam fusionar a respiração, o frescor das sensações compartilhadas.


Os sapatos de couro marrom desceram em Cambronne, levando com eles os coraçõezinhos pairando no ar... e deixando ar mais leve, abrindo mais espaço para amar. 


"Pela luz dos olhos teus", Tom Jobim e Vinicius de Moraes

mardi 13 février 2018

Exercendo um outro olhar

Falando com meu pai no skype hoje, ele me perguntou o porquê de eu ter retomado a escrita, e mais precisamente, ter encarado esse desafio. 
Há exatos dez dias acompanhando as aventuras da minha querida Jany, disse à ela o quanto suas histórias me enchiam de esperança e eram um sopro de vida. Ela então sugeriu que eu entrasse no embalo, me contando a história de um livro da autora americana Raquel Raomi Remen, onde um paciente é aconselhado a anotar uma coisa que o tivesse emocionado ou inspirado a cada dia. O processo não foi fácil para ele, que havia uma profissão delicada, mas aos poucos ele começou a reparar nas coisas a sua volta de um outro jeito. Rapidamente senti um impulso em fazer o mesmo, como uma necessidade. E mesmo dizendo a ela que andava meio desanimada pra escrever, ela afirmou com doçura que não esquecera que eu era escritora, pois tinha olhos e coração sensíveis.

Me impus então esse desafio, pois não tem sido sempre fácil, apesar de nunca ser impossível : escrever 15 linhas todo dia, sobre algo que me tocou, independente da forma. E sinto que algo que aparece negativo pode se transformar em algo muito positivo, um aprendizado pra mim.
Penetrando em mim com uma exigência de aprender com o mínimo, com o que esta escondido, quase invisível, me fortaleço, me esclareço e cresço.
Se puder tocar os outros nesse processo, desejo profundamente que a energia que me exige esse esforço de escrever chegue até vocês. 
Pura e simplesmente. 

lundi 12 février 2018

Nos braços do abraço

Minhas lembranças fotográficas do google me fizeram reviver, com aquela ponta de saudade, onde eu estava ha um ano. Imagens gostosas do Brasil, nos braços dos nossos queridos pra festejar o aniversario do Joca, reencontrar e curtir a familia e o Hector que não viamos ha 6 meses. De tantos momentos especiais, ainda me lembro quando imaginávamos encontrar qualquer motivo pra estar novamente numa das praias paradisiacas de Ubatuba, de areia fofa, brisa quente e paisagens que me fazem parar de respirar pra escutar a natureza pulsar. Ali, naquela varanda sob o mar, sonhamos festejar os 80 anos da Dona Seiko, minha querida sogra.
E ontem fui pega de surpresa , com um pedido especial dela : que eu cante algumas musicas em sua homenagem em seus festejos de 80 anos. Como me preparar pra festejar e encontrar como homenagear a quem tenho tanta gratidão ? 
Que me acolheu tao bem ha mais de 25 anos, que me ensinou a fazer feijão de caldo grosso, que, com calma e paciência me ajudou quando fui mãe, e ainda preparava minhas refeições pra que eu me alimentasse bem nos primeiros dias. 
Cujos olhos ainda brilham quando me veem, e cujos abraços ainda me emocionam quando me apertam em silencio.  
Como conseguir transformar em musica todos os sentimentos que vivi ao seu lado ? Sera um grande desafio...

dimanche 11 février 2018

Tocando em frente

Fim de almoço de domingo. Musicas passando aleatoriamente na tv, conectada ao youtube. Pauline, namorada do Ariel se impressiona com a voz de Zeca Veloso em "Todo Homem", enquanto Ariel se intriga com a origem do dom musical. Imaginamos que pode ser uma facilidade genetica, mas nada impediria alguem com muita vontade de se aprofundar tecnicamente de se transformar num bom musico. Finalmente, reunir tecnica e emoçao fariam de alguem realmente um bom musico  ?
E tem a letra da musica, a melodia, musicas que vibram na voz de qualquer interprete, que sao unanimidade.
Almir Sater aparece no programa da Inezita Barroso, e o começa a tocar entao "Tocando em frente", que compos com Renato Teixeira. Conta a historia da musica, que segundo ele foi um presente, vindo tao naturalmente que naquele instante nem reconheceram a pérola que haviam feito. 
Falam de coisas simples, que a maioria de nós ja sentiu : apreciar os ciclos da vida, as pequenas coisas, refletir sobre a nossa razao de ser no planeta, da vida e da morte, a certeza de nada saber...e ainda assim, carregar em si o dom de ser feliz...
Mas nao é que as coisas sao meio assim nas nossas vidas ? Quantas pérolas criamos e nao damos o devido valor ? Pérolas que sao na verdade resultados de caminhos permeados de dores e alegrias. Que vibraçao terao essas perolas que dividimos, tao simples e ao mesmo tempo profundas, a ponto de nos tocar coletivamente, vibrando talvez na nossa essencia mais escondida.
Essa musica aparecia em muitas sessoes de Terapia Comunitaria que acompanhava, ha dez anos, pois tinha essa nota de aceitaçao e ao mesmo tempo sabedoria, pontos tao importantes na soluçao dos problemas que cada um de nos enfrenta.
Recado talvez vindo de outra dimensao, em forma de vibraçao. 

samedi 10 février 2018

Todo dia vale a pena

Nao tem aqueles dias que voce acorda as seis da manha, podendo acordar as sete, e ainda por cima com dor nas costas ? Sai de casa no escuro e vai pegar o bus andando pela rua, pra nao escorregar na neve da calçada.
Depois volta correndo pra casa pois precisa levar a cria para um aniversario; e morta de fome acaba embrulhando o presente enquanto praticamente engole um sanduba pelo nariz ? E tudo que esperava era uma taça de vinho...
E vai levar pro aniversario no shopping... programão de sabadão, né não ? Antes pega mais dois amigos com os caminhões no caminho recarregando em fim de feira... 
De repente o carro se enche da alegria do reencontro de amigos que ignoram nossa presença adulta e se entregam as mais gostosas conversas, trocando ideias, opiniões, partilhando sonhos e anseios. A pureza e a empolgaçao arrancando um sorriso silencioso da cara da gente, testemunha da cena sem querer. 
Acredito que é muita sorte poder ser testemunha do crescimento dos que nos rodeiam, acompanhar o desenvolvimento, a elaboração dos valores, a aproximação de conceitos reais nem sempre faceis de abordar, mas muito necessarios. Interferir com delicadeza, o minimo possivel.
Se preparar pra que os maiores desejos se realizem, considerando a possibilidade do contrario; se apropriando da busca dessa realizaçao e ao mesmo tempo da aceitaçao de uma frustraçao. Quantas aventuras não esperam esses pequenos de apenas 10 anos ?
 As minhas de hoje foram de bom tamanho. E sinto que as deles tambem...

vendredi 9 février 2018

Partilha da manga

Fui no Exótico essa semana, um mercadinho que cheira especiarias misturado aos produtos misteriosos que se encontram. Desde que cheguei passei a frequenta-los, pois encontro uma porção de coisas pra cozinhar como no Brasil. Muito do que pra nós não tem nada de exótico, é bastante por aqui, mas nesse tipo de mercado esse nome faz bastante sentido.
Encontro shoyu, vinagre de arroz e nori; e até pasta de missô japonesa ! Compro também ingredientes africanos que aos poucos fui descobrindo o que eram : foufou é o nosso polvilho azedo, farine de manioc é a farinha de mandioca crua; semoule fine de mais é fubá. Até dois tipos diferentes de feijão africanos tão bons quanto os nossos eu achei ! 
Dentre os exóticos, pra mim, estão produtos congelados roxeados que nunca vira antes...parecem peixes, mas nunca tive a audácia de me aproximar; algumas verduras desconhecidas, raízes gigantes e bananas verdes. 
Mas no caixa é que me delicio, pois perto deles sempre vigiam mangas do Brasil, que são tratadas feito rainhas. Embrulhadas em plástico rendado, ficam expostas numa mini vitrine transparente, intocáveis. As de hoje vinham do Perú e estavam acomodadas ao lado de um belo mamão Formosa brasileiro, que aqui chamam de Papaya. Me aproximei delas com cuidado, cheirando-as de perto, sem encostar e o perfume me conquista. O fundo doce, mas ainda ao longe, de fruta que ainda precisa de mais uns dois dias pra estar no ponto, no auge de sua plenitude.
 Ariel descascou-a ontem, depois de me pedir permissão, como se ele também não ousasse retira-la da pele vermelha e brilhante. Talvez simplesmente não pudesse mais ficar somente sentindo seu perfume impregnando a sala e a cozinha. Enquanto descascava lentamente, pra não perder nenhum milímetro de suculência, lembrei de várias ocasiões em que nos lambuzamos com elas por aqui, e de como ela é abundante e variada na nossa terrinha. Das mangas coquinho da casa da Seiko, das do sacolão : saborosa, mas com fio, ou sem graça, mas mais macia. Ainda lembro da textura de um tipo que derretia na boca, enquanto o caldo escorria pelo braço, quando me presenteava com o caroço e o perfume que fica nas mãos. Texturas, cheiros e contextos registrados na minha memória gustativa, a mesma que partilho hoje com meus filhos, que talvez um dia eles partilhem com os deles... 


jeudi 8 février 2018

Frio que cura

Era pra ser mais uma terça feira como qualquer outra. Voltamos sempre de RER, chegando em casa la pelas 21h. Da tempo até de jantar, dar beijo nas crias e por a conversa em dia antes de dormir..."só que não" rs
Tinha nevado e pegamos a linha 6 pra ver a neve no metrô que tem uma parte suspensa pela cidade, rio Sena cheio, Torre Eiffel escondida, jardins cobertos de neve... tudo branquinho, muito lindo.
Só que na hora de trocar de linha, alguém tinha acabado de decidir partir dessa pra melhor numa estação depois da nossa. Mal sabia o caos que tinha acabado de causar...e talvez uma bela experiência para os mais sensíveis.
Previsão de trem : 23h...eram 20h50. Decidimos sair dali e procurar algo pra comer. Ja estava meio escorregadio, achamos rápido uma creperia pra jantar. O dono nos recebeu avisando que fecharia em meia hora. Beleza, depois vemos como fazer.
Tudo com nome de ilha paradisíaca, e a gente ali preso com neve por todos os lados. Vieram "crepes ilhas" trocadas, mas tudo bem, trocamos ingrediente aqui e ali e comemos mesmo assim. 
Simbora, bate foto sentado no banco cheio de neve, e volta pra estação de trem. Lotada. Mais meia hora acrescentada na previsão.
Decidimos pegar a linha 4 e ir ate Porte d'Orleans pegar o busão. Só que não tinha busão... com a neve que não parava de cair...ok. Vamos até Mairie de Montrouge e de lá pegamos um Uber.  "Só que não" numero 2...
Saimos da estação e tudo bem mais calmo...e congelado. Parecia estação de esqui de madrugada...
Uber...50 pila. Eles abusam. Vamos andar mais um pouquinho. Roti de botinha com solado liso, faz a alegria de uma dúzia com seu sapateado escorregadio balança mais não cai...  Mais 50 metros, o preço caiu pela metade, mas com 10 minutos de espera. Brincadeira !?
Deixamos pra lá, todo aquele branco, a neve caindo, a gente rindo da situação, tudo foi descontraindo, relaxando, e andamos os mais belos 4 km dos últimos tempos...
Os telhados das casas brancos feito chantilly, com as arvores decoradas de neve fofa e imaculada; o céu chegava a estar vermelho em contraste com o excesso de branco; e o barulhinho do sapato pisando na neve fresca, quebrando esse silencio incrível que só a presença imponente da neve proporciona. O frio tinha ido embora, apesar de não sentir mais meus dedos dos pés. Roti continuou escorregando até a esquina de casa, onde caiu como ele mesmo tinha previsto... Chegamos : quentes por dentro e congelados por fora... contentes feito crianças !
Será que é preciso sair do conforto diário pra viver algo novo e puro todo dia ?
Ou somente um olhar mais presente a nossa volta, aberto e sensível, daria outra cor ao nosso cinza diário ?  


mercredi 7 février 2018

Minha amiga alemã e as bananas

Nesse verão ficamos mais próximas, mais intimas. Dividimos uma casa, ficamos cúmplices.
Minha amiga alemã, com quem almocei ontem, nasceu na Berlim Oriental. E essa história incrivel começou por conta de um bolo de banana...
Eu me deliciava com um pequeno, e descubro surpresa um chocolate derretido no fundo...que iguaria ! Seus olhos verdes brilharam ! E começou a contar sua história com as bananas...
Da noite pro dia, ela e sua família acordaram com um muro dividindo a cidade. Seu pai, que trabalhava do lado ocidental, foi aos poucos tendo cada vez mais dificuldades pra ir trabalhar, mesmo sendo bem recebido do lado de lá...visto que até a pouco tempo tudo era uma só cidade. De repente, os alemães orientais passaram a ser impedidos de passarem pro outro lado do muro. Estavam presos dentro do próprio pais, e não podiam mais ver pessoas da própria família ! Ela se lembra da escassez de alimentos e de quando ficavam na fila pra comprar  bananas. As vezes conseguiam uma pra cada um...
Um dia seu pai decidiu fugir. As pressões para que o muro acabasse eram grandes, mas ele nao podia mais esperar. Conseguiu ser acolhido pela familia do outro lado e uma das grandes lembranças dela quando criança foi da abundância de bananas no supermercado da Alemanha Ocidental. Ela contou, rindo muito, que desde aquele dia ela comeu tanta banana que hoje nao suporta mais...
Essa minha amiga, cujos olhos verdes brilham tanto, viveu na alma parte de uma história que eu aprendi criança nos livros de historia ! 
É como se ela fosse a prova viva do que aconteceu, pelas suas lembranças marcantes de criança. Marcadas por sentidos, pelo gosto e cheiro; e por sentimentos, pelo medo e a sensação de liberdade. História que, compartilhada, agora faz parte da minha também.

mardi 6 février 2018

Flocos Andorinhas

Nevou. Como uma criança que cresceu sem ver a neve, me encanto quando ela da o ar da graça. Ela, que exige condiçoes precisas para se concretizar : temperatura e umidade. Ela , que como tantas coisas nesse mundao, amedrontam e encantam ao mesmo tempo.
Começou devagarinho, bem fininha, quase como uma chuva fina.  De repente o vento se meteu na jogada e o que era chuva virou dança ... uma dança admiravel, onde os flocos ja mais grossos meio que pairavam em suspensao no ar, como  leves e resistentes bailarinas. Me fez lembrar das revoadas das andorinhas, quando o ceu azul no fundo nos faz perceber somente seus contornos, em meio aos zumbidos desordenados, quando do nada param e misteriosamente mudam de rumo. Poderia chama los de flocos andorinhas...
Agora ela se foi, depois de me fazer viajar e mudar de estaçao do ano; deixando tudo branquinho e silencioso.
Chega surpreendendo, e quando fica impoe outro ritmo : o da atençao. Atençao ao escolher onde posar os pes, atençao ao andar pra nao escorregar, atençao a tudo que ao redor se transforma e fica incrivelmente belo.
Que sorte poder viver ainda esse encantamento de criança e ser sensivel ao que e simples.   

lundi 5 février 2018

O tempo não perdido é sagrado

Comecei a aprender a tocar violão lá pelos 15 anos. Mas não quis saber de aprender notas, convenci meu doce professor Lique a me ensinar a tocar minhas musicas preferidas só conhecendo a posição dos acordes. Me arrependo, e agora, depois de velha, decidi aprender a ler musica...mas isso é assunto pra outro dia.
Pelas forças do destino, um violão veio parar em casa, e soubemos que se trata de um dos bons. Ariel foi num especialista que trocou as cordas e lhe contou a relíquia que tínhamos em mãos.
Me aproximei dele de novo, mais do que tocar as musicas dos meu velhos cadernos, procurei novas que gosto de cantar pela internet e venho me deliciando em amortecer as pontas dos meus dedos da mão esquerda. Vez ou outra toco com o Carlos, que tem um belo piano e improvisa acompanhamentos maravilhosos...me sinto quase a Elis Regina francesa. Treinei "Clareana" caso o Joca fosse Clara, aprendi "O que você quer saber de verdade" e "Vilarejo" da Marisa Monte; me relaxo tocando "Felicidade" de Lupicinio e "Debaixo dos Caracois" que o Roberto escreveu pro Caetano. 
 
Hoje, enquanto folheava as paginas amareladas do meu primeiro caderno, o sol esquentava a sala, dando as caras depois de muito tempo. Com calma, descobri os acordes de Tempo Perdido do Legião Urbana, que minha memória conhece sozinha e meus dedos não tiveram problemas em seguir. Minha voz mais grave, assim como a letra da música realiza que esquece como foi o dia, ao acordar e antes de dormir. Que tempo não é perdido ? 
O sagrado...que me deparo em "Amor de Indio", do Beto Guedes; música que aprendi sem conhecer, a convite do Lique. A cantar do meu modo, grávida do Pedrinho... meus dedos não esqueceram a melodia, mas a voz estava presa na garganta. Enfrentei as lagrimas e consegui cantar, e não chorar. Aí vai um pedacinho...

                                     

"No inverno se proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No Estio me derreter 
Pra na chuva dançar e andar junto" 

E o sol se deitou esfriando a atmosfera e levando com ele a nostalgia do dia.

dimanche 4 février 2018

A meus caros passarinhos


Ontem fui bem cedinho pra Paris. Pra me aproximar da gare, vou de carro ate um bairro residencial onde estaciono na rua. Me aproximando de uma rua, ainda dentro do carro, ja comecei a ouvir o canto dos passarinhos. Que delicia !
Sai do carro, um silencio humano ! A lua de testemunha, faltavam alguns minutos pra 7h da manha. Mas era a festa generalizada entre eles ! Como se esse momento só à eles pertencesse , e aqueles dispostos a parar pra escutar...diminui o passo pra que meu curto trajeto durasse mais tempo...
Nao tem essa de que são desafinados, como disse o Joao Gilberto na sua habitual arrogância...conversam em suas línguas variadas, em tons impertinentes e espontâneos. Cantam pra quem tem ouvidos para escuta-los. Percebo que estão as vezes muito longe uns dos outros, mas mantém o dialogo. Eu admiro, volto pra minha Terra, onde eles são reis. Começarem o dia tao cedo, enquanto o silêncio paira e eles podem ainda se comunicar sem o barulho das maquinas, dos carros, ônibus e buzinas. Vibram no silencio, seus cantos secretos e anônimos, vibram dentro de mim, recompensando a caminhada fria requentando meu coração de vida.