jeudi 31 mai 2018

Solidariedade vem primeiro

Dia de exame de contrabaixo. Cinco anos de trabalho sendo avaliados, para passarem do ciclo I ao ciclo II. Todas as crianças que tocam intrumentos à cordas nessas condições estavam sendo avaliadas hoje, por um juri externo e o diretor do conservatório. 
Iago estava tenso, mas concentrado. Chegamos cedo, ele afinou seu instrumento, tocou um pouco. Sentada, eu tentava parecer descontraida, mas não estava. Queria que o momento parecesse natural, que o resultado não parecesse importante. E realmente não é.
De que adianta passar de ciclo e continuar a trabalhar a música por obrigação, sem sentir prazer, sem se alimentar desse gesto ?
Após duas horas, o resultado foi divulgado pelo próprio diretor. Apenas três crianças não conseguiram passar de ciclo, mas o diretor insistiu para todos que não o considerassem como um fracasso. Mas pra crianças de dez anos não é tão simples assim...
Um dos amigos do Iago estava entre esses três, e ele e o outro amigo que também fôra aprovado, imediatamente o abraçaram e consolaram num gesto solidário. Sua aprovação não tinha a menor importância diante da decepção e do sofrimento do amigo. Ficaram ali, por longos minutos, sentados no chão bem junto à ele, acariciando-o, abraçando-o; dizendo que era só um exame, nada mais.
Nessas horas vejo que o ser humano tem tudo pra dar certo, enquanto tiver esse amor puro e sincero no coração e na atitude. Em que momentos nós, adultos,  nos perdemos ?

mercredi 30 mai 2018

Diante da fonte

Uma fonte pode ser para uma criança como um mar em dia de belas ondas para os surfistas : uma atração incontrolável. 
Um menino estava assim diante daquela água toda, era mais forte que ele. A mãe já o tinha afastado de lá cinco vezes, mas aquelas folhas secas no chão parecem precisar tanto entrar na água... os bracinhos vão escorregando pra dentro também, se pudesse deixava o corpo todo escorregar fonte adentro. A mãe o puxa pelo punho, violentamente. Quer conversar com a amiga, não parece querer se colocar no lugar do filho em nenhum momento. É incapaz de sentir que aquele barulhinho é irresistivel, que seu filho pode estar com calor, ou que simplesmente queira experimentar o contato da água em seu corpo
Mais tarde, outro se aproxima. Até a postura da mãe é outra, é ela que chama o filho para se aproximar da fonte. O barulho lhe dá um certo medo. Ela se senta e o deixa a vontade, ele aos poucos se aproxima e põe o carrinho a andar pertinho da água, mas sem tocá-la. Um casal de idosos lhe estica uma folha seca, que ele joga imediatamente na água. E sua aproximação terminou ali, pois sua necessidade era essa.
Nem sempre estamos disponíveis a parar e olhar atentamente a necessidade do outro. Se o fizéssemos , metade dos problemas da educação, e ouso dizer, do mundo, estariam resolvidos.

mardi 29 mai 2018

Força da água

Do quarto andar, procuro um pouco de ar. O que estava umido e quente refrescou bastante com a tempestade, mas não o suficiente pra dar arrepios. Os passarinhos cantavam loucamente antes dela recomeçar, como se festejassem tanta água. A chuva gelada escorre agora feito cachoeira rua abaixo. Feliz de estar nas alturas e escapar das inundações...
Não consigo imaginar o que seja ir dormir sem saber se vai acordar molhado. Pior, dormir tendo a certeza disso. A tia Maria, cozinheira do CRAS de Osasco contava sempre que tinha acordado embaixo d'água. Ela ria, não sem uma certa melancolia no olhar; já estava acostumada e quando sabia que a chuva ia ser dessas, punha o importante no alto. Mas acordava com os pés na água...
Quando não é por construirmos demais e a terra não ser suficiente pra absorver o excesso, é porque construimos sobre mangues.
Era o caso da casinha de Camburi. Os colchões já tinham as prateleiras reservadas para ficarem fora do alcance da água quando a casa estava vazia. Mas e quando chovia forte com gente dentro ? A gente via que a água não escoava mais e levantava acampamento antes que os banheiros não pudessem mais ser usados.
No fundo a gente é muito abusado mesmo, acha que pode fazer o que quiser, construir onde quiser e sair impune. Bem, a natureza mostra que não...
Mais dia menos dia a prepotência da gente vai ter fim, e vamos ver que não podemos controlar nada; e o quanto estamos longe de nos aproximarmos com respeito e  compreensão da natureza... tomara que não seja tarde !

lundi 28 mai 2018

Brincadeira, suor e gargalhada

Depois de ficarem duas horas sentados no calor e no escuro, os pequenos contrabaixistas sairam do teatro super agitados. Como bichos liberados de gaiolas, pulavam uns em cima dos outros, quase levando a brincadeira pra rua. Dois meninos de dez, uma de nove e um de treze anos. Se acabando nos cais dos metrôs parisienses, como crianças correndo soltas no quintal. Claro que nós, os adultos responsáveis tentávamos acalmar o fogaréu, mas quem já viu criança pegar fogo sabe como é dificil, quando uns se acalmam, outros já deixaram a pequena faísca se espalhar...

A corrida maior foi pra pegar o ultimo trem, aproveitando que ele estava pra chegar, aceleraram felizes por terem um motivo. Lá vai um adulto correndo atrás; felizmente eles são grandes o suficiente para saberem onde parar.

Entramos no trem do RER, pronto, pensei, nossos músicos agora se acalmam.

Nada feito, continuavam na maior empolgação. E agora era no sopro, praticamente uma orquestra à vento, sem os instrumentos. A brincadeira era basicamente soprar na cara do outro. Fazendo cocegas ou não, arrancavam gargalhadas sem fim uns dos outros. Sorte dos passageiros do vagão que tinham que descer logo, e dos que não se incomodavam com a euforia...talvez tenham a própria dose em suas casas. Até alguns sorrisos se esboçaram, daqueles mais sensiveis a essa energia contagiante e infinita que só criança tem...

Bom saber que sempre haverão crianças pra deixar o mundo menos ranzinza e muito mais barulhento e divertido. Pelo menos enquanto o ser humano fizer por merecer esse espaço que ele ocupa no planeta...


Foto tirada pela Dani com a Gopro do Joel no Parque Asterix em 2014...

dimanche 27 mai 2018

Raizes invisiveis

Domingo na casa de amigos. Eles conseguiram criar um canto arborizado e aconchegante em pleno 18o quarteirão parisiense. Talvez tenham se inspirado nos oásis visitados do nosso país.
Ela, artista israelense, ele músico americano. Aventureiros, se conheceram no avião, como acontece em filme romântico e a gente custa a acreditar.
Entre os locais que conhecemos em comum, a impressão partilhada da generosidade brasileira, mas também da espreita da violência que só espera um pequeno vacilo pra se concretizar... belezas e tristeza desse mundão que anda meio desequilibrado. As doçuras das frutas e sucos, a inesquecível agua de coco. A moqueca, o feijão, a pizza. A paixão dos que vieram de longe e acabam lá se instalando, a paixão dos que vivem longe mas seguem visitando. O lidar com a saudade, a falta do país ou a falta da família ? Onde acabamos nos enraizando ? Talvez as raizes sejam infinitas e corram invisiveis atravessando as profundezas da Terra...
Finalmente encontro outros que se alegram com o tempo úmido e pesado como eu. Mesma sensação de estar em casa, cada um na sua terra quente e hidratante, quando a transpiração carrega lembranças de tempos bons.
A aproximação musical apareceu pouco a pouco,  com o despertar de uma sensibilidade que nos convida à escutas inabituais;  que se instalam quando começam a fazer sentido.
O mundo ficou pequeno e sem fronteiras nessa tarde, e a gente sentiu que realmente faz parte dele.

samedi 26 mai 2018

Tantas em quatro

Quatro mulheres num quator. Piano, contrabaixo, oboé e vozes : todas cantavam. Ultrapassaram todas as fronteiras da cena, impecavelmente. 
Artistas extremamente competentes, criaram de forma inteligente e hilariante um espetáculo percorrendo,  de A a Z , um universo de interpretação. Do classico aos Beatles, até uma Historia de um lobo que tocava contrabaixo fazendo percussão e cantando ao mesmo tempo.
Espetáculo preciso, orquestrado por mulheres múltiplas, completas e ao mesmo tempo, escrachando os rótulos carregados por nós há tanto tempo... Mulheres que vejo ao meu redor todos os dias, fortes, doces, sexis e profissionais. Que me encheram de orgulho por ocuparem todo o espaço tão autenticamente.

À platéia lotada, o êxtase com tamanha perfeição. Uma certeza : os tempos já estão mudando, as portas já foram abertas, agora entramos pra ficar.

vendredi 25 mai 2018

Embalando a tempestade

Uma tempestade tropical chegou junto com dois brasileiros para fazer do ambiente um pedaço do Brasil. Uma cidade nos arredores de Paris , com um Festival nomeado "Sopro das Américas" , transformou esse fim de sexta feira num fim de tarde de verão brasileiro.
A umidade já vinha anunciando há alguns dias. Uma sala maravilhosa, de fundo uma parede decorada de madeira, fazia as vezes de um bambuzal. No alto dela, um vidro liberava a vista do jardim, com um pinheiro que dançava ao ritmo da conversa entre os dois violões. Como se ele estivesse escutando tudo, com os trovões se fazendo de holofotes de vez em quando,  a tempestade caía, como se os trópicos estivessem mesmo aqui.
Impecáveis, Paulo Belinatti e Cristina Azuma, expressavam em seus dedos a perfeição do tocar e a intimidade com o instrumento. Gestos precisos revelavam  uma  sutil osmose desses compositores com sua arte. 
E, mais uma vez, o tempo parou por duas horas para que aquele instante fosse vivido como uma respiração, um suspiro sonoro. Cheio de som de casa, das raízes do meu coração.

jeudi 24 mai 2018

Aconchego afetivo

Iago resolveu ir dormir mais cedo. Achei estranho e perguntei o por quê. Problemas no jogo do computador, claro. Irritada já bradei minha indignação, e disse o que penso : que esses jogos são uma grande perda de tempo. Ariel já replicou que outras coisas também são...ok. Mas tantas coisas não são...
Deixei o que estava fazendo e me estirei com ele na cama, puxei um livro que ele gosta e propus de lermos juntos, dividindo os personagens. Mudávamos a voz, o sotaque, e nos divertimos relendo as histórias que há alguns anos, era eu quem lia para ele. Se bem o conheço, vai me propor outras parcerias como essa...
A leitura antes de dormir sempre foi um hábito aconchegante pra mim. Quando o Hector e o Ariel eram pequenos, lia para eles quase todas as noites. Já em Paris, não deixava de ler em português para que não esquecessem. A que eles mais gostavam era uma história em quadrinhos do Ursinho Pooh, onde eu imitava a voz de cada personagem. Eles riam de chorar quando eu imitava o Bisonho ! Sentavam-se ao meu lado, bem juntinho,  para poder ver as imagens enquanto lia.
O sono ia se instalando gostoso, dando vontade de fechar os olhos e sonhar. Sonho de criança, cheio de brincadeiras onde tudo pode acontecer...igual na história do Iago de hoje, sobre a amizade de um duende, um gigante e uma feiticeira. 
Não precisa de muito pra fazer um uso afetivo do tempo, basta um pequeno esforço, pra transformar um pequeno instante em um traço que talvez fique pra sempre na memória da gente...


mercredi 23 mai 2018

Caminho de parceria

Pai puxando orelha de filho : "Tem que tomar um rumo cara, até quando vou te sustentar ?" Filho responde rápido :" Não se preocupe que daqui há alguns anos será a minha vez..." e emenda imitando o pai, e claro, depois a mãe. Rimos muito, mas ele ficou sério, preocupado em um dia vir a ser dependente dos outros. 
Não sei se temos escolha em relação à isso, e, caso possamos ter alguma, seria  do caminho que iremos percorrer para chegar longe, nas melhores condições possiveis. Esse pavor da depêndencia reflete também a falta de confiança no outro, como se, no fundo, a gente achasse que não pode contar com ninguém. Ao mesmo tempo, dá pra entender essa insegurança, tamanha a superficialidade das relações, a ausência de diálogo, de escuta. Sem parceria, não há confiança... dificil preparar um futuro em comum...
A tarde, no caixa à minha frente, um casal de mais de oitenta. Pairava no ar essa confiança que nos falta hoje. Se olhavam e sabiam o que fazer, tinham intimidade. Talvez tenham anos de cumplicidade e parceria, construídas e alimentadas em volta de uma lareira, ou em cadeiras de balanço numa tarde quente de verão. Talvez tenham essa preciosa intimidade e confiança de que, enquanto estiverem vivos, estarão - um para o outro.
 Talvez seja apenas um anseio meu, na esperança que exista um belo fim.


mardi 22 mai 2018

Chove choro

A chuva veio fraquinha agora a pouco, mas molhou o suficiente para despertar o perfume das plantas e da terra molhada, e espalhar aquela umidade pesada que incomoda tanto os franceses. E que eu adoro...
Tempo e cheiro de Casa, confundindo com choro de casa, daquele que sai inesperado quando a gente descobre que irá em breve se encontrar. Que sorte a minha poder mudar os planos, e ter todas as condições e a retaguarda para as mudanças repentinas. De poder chorar com o filho, com a irmã, de não precisar segurar. A chuva de choro que atravessa o oceano pra perfumar a doce primavera francesa.
Queria ser sempre como essa chuva que rega sem encharcar, lavando a alma num choro de amor e de saudade.

lundi 21 mai 2018

Flores e espinhos

Todos meio entristecidos na horta. Novos associados, novos problemas. Material sumido, esquecido pelo terreno. O cadeado principal enguiçou três vezes em duas semanas. Então a turma antiga começou a colocar bilhetes aqui e ali, lembrando as regras de civilidade e as consequências dos atos. Como numa grande famíllia, uma comunidade deveria usar o mesmo espaço e material com o minimo de respeito.
Infelizmente, como também acontece numa grande familia, o interesse próprio algumas vezes ultrapassa o coletivo, e o que é natural para uns, claramente não o é para outros.
Como encontrar esse equilíbrio, sem se deixar envolver pela situação, ou mesmo pelo que nossa imaginação constrói como situação ? Quem iria quebrar um cadeado propositalmente ? Um mal jeito na hora de colocar o código e pronto, o estrago esta feito...Da pra supor que seja isso que aconteceu, ou dá pra mergulhar numa indignação profunda por conta de algo que desconhecemos. Por outro lado, existirão sempre os que aproveitarão de situações propicias para levar alguma vantagem...
Todos haviam feito o necessário. Agora é torcer pra que as coisas entrem nos eixos, que os que vestirem a "carapuça" aprendam com o episódio.
Depois dos bilhetes colocados, a atmosfera começou a ficar mais leve. 
Mariedo, já sorrindo,  começou a oferecer mudas de "Capucines", flor comestível que se espalhara mais do que devia no seu pedaço de terra; já sorrindo. Fabien já esta pensando em novas galinhas, já que duas delas se tranformarão em breve em Colombo...  A descoberta de mudas no adubo orgânico, maravilhosas mas impossiveis de identificar, que por sinal também apareceram no meu pedaço. 
E assim segui, observando os pés de morango espalhados, alguns já maduros e perfumados, que admirei de longe esperando que o meu também chegue lá.

dimanche 20 mai 2018

De colo em colo

Todo mundo precisa de colo. Quando a gente tá carente, quando a gente tá doente. Colo não é só estar nos braços de alguém, mesmo que seja uma das coisas mais gostosas que existem. Colo é sentir a presença preocupada, mesmo que distante. É sentir o cuidado preciso, como se o outro pressentisse o que a gente precisa naquele momento.
Colo pode ser uma taça de chá numa tarde fria. Um prato preferido feito com amor. Pode ser um sorvete refrescante em torno de uma conversa que nos ajuda a escutar a nós mesmos. 
Colo é caminhar lado a lado, seguir o passo do outro. É compartilhar um silêncio reconfortante. 
As vezes a gente nem percebe o quanto está precisando, e recebe assim, de repente, de alguém que sente. E as energias se trocam e se renovam, pra gente aguentar até a próxima recarga.
Afinal, quem não precisa de colo ?

samedi 19 mai 2018

Choro que renova

Quando estou precisando ficar sozinha, procuro a programação do conservatório. Ontem dei sorte, havia uma apresentação gratuita de coral.
Dois grupos de idades distantes; os pequenos de 7 anos e os adolescentes de 16, se completaram nessa uma hora que abordava o tema Família.
Em forma de teatro, o pai varria a casa enquanto todos os outros brincavam do Jogo de sete famílias. E as músicas se sucediam em torno deles, avós, pais, relações de irmãos. O que sempre me encanta é a naturalidade das crianças, que nessa idade não escondem nem a insatisfação, nem a vergonha, nem o total entusiasmo.
Enquanto uns se encolhiam quase como se pudessem esconder a cabeça no pescoço, outros fechavam a cara e fingiam cantar com as mãos no bolso. Alguns mais entusiasmados me arrancaram sorrisos e até lagrimas, tamanha a alegria que exalavam. Mesmo a voz não sendo precisa, a cena fôra tomada pela atmosfera leve e doce de criança.
Os adolescentes subiram ao palco bem menos numerosos, mas muito mais seguros. O palco, o entrosamento, as várias vozes que dançavam entre si, aparecendo e sumindo, dando aquele arrepio na espinha.
Chorei feito criança com as crianças entusiasmadas, chorei com a intimidade daquele pequeno grupo de adolescentes que não abandonaram totalmente a música pelos estudos, que se entregaram no bis do Eleanor Rigby dos Beatles.
E voltei pra casa vendo o céu de outra cor, e o sol se pondo como se o visse pela primeira vez...
Ps. Vai um video do Iago numa das suas mais entusiasmadas apresentações...

vendredi 18 mai 2018

Delicadeza paterna

Mais um filme politicamente incorreto. Mais um pai que nega a paternidade de uma pequena adoravelmente malandra, igualzinha ao tal do pai. Confirmou o que eu já pensava : a presença do pai na criação do filho é muito mais importante do que a gente imagina. Sim, ali, do lado da mãe, em todos os momentos. 
Há anos atrás fiz um estágio numa creche na Vila Mariana. Folheando os arquivos dos registros das crianças percebi que a imensa maioria das crianças não tinha o nome do pai no registro. Não era um terço, nem metade, era a imensa maioria. Tem algo errado ai, não ? 
E pai presente não é só no "sustento" não, que nesse sentido, isso quase nem existe mais, pois felizmente essa função é dividida.
 Sustento hoje é estar ali, de posicionamento em conjunto com a parceira, com a escuta e a disposição necessária, com a empatia precisa. E por quê não ir mais longe, com a delicadeza que é tão bonita quando transborda no homem, que pode ser tão natural e importante quanto à disponibilidade da mulher. 
Quer coisa mais linda que um pai que dá o exemplo, em casa e na vida, que tem iniciativa, que divide a faxina e a louça com a parceira ? Que divide a leitura antes de dormir, a barriga no fogão, e os passeios de bicicleta ? Quer maior exemplo que esse para os filhos, que crescem assistindo um entrosamento intimo e cúmplice, certamente algo que eles vão querer repetir no futuro.
Tive sorte, a presença do meu pai em alguns detalhes delicados deixaram um traço de cuidado único. Atenções como quando ele deixava uma rodela de pão com maionese sobre o prato de cada uma de nós, antes da janta. Ou de trazer algo na nossa boca para que experimentássemos, as vezes algo que nunca tínhamos provado. E de quando preparava gym tonica fraquinho, pra que me  familiarizasse pouco a pouco com o álcool.
Prezo essa delicadeza. Espero que esteja plantando nos meus meninos, para que eles se exerçam assim, como pais, caso o sejam um dia. Para que sejam eles, definitivamente, a mudança de paradigma.


jeudi 17 mai 2018

Jejuar e rezar

Quando fui comprar pão ontem, a moça do caixa sentiu a falta do Iago, a quem chama de "cheri". Enquanto me passava o pão, cochichou sorrindo que não via a hora de começar o Ramadã, hoje.
Desde que viemos pra França, me impressiono com esse rito religioso dos muçulmanos. Eles passam cerca de um mês jejuando, enquanto o sol estiver no céu. E olha que nessa época o dia dura quase 14 horas...
A "Noite do Destino" é um dos acontecimentos que festejam nessa época, pois foi a noite em que o Alcorão foi revelado à Maomé pelo anjo Gabriel.
 É o mês mais santificado e esperado do ano, como se eles renovassem as esperanças para o ano que começa por meio da privação de algumas necessidades básicas. Se por um lado o esforço de controlar os excessos deve ser transferido para a caridade e a prece, por outro é um convite à conhecer sua determinação, rever seus valores, viver momentos intensos de dias longos e quentes. Outras religiões e crenças acreditam no poder de purificação do jejum, mas será que não teríamos essas oportunidades de renovação de maneiras muito mais simples do que imaginamos ?
Sem querer diminuir a impôrtancia do esforço do jejum, mesmo porque desconheço seus efeitos, acredito que passamos perto a cada dia desse gesto de sensibilidade e abertura ao outro, à si mesmo, à momentos delicados e imprevisíveis, que podem ressignificar nossas crenças e valores.
Vou observar o esforço desse mês que se inicia da minha vizinhança, de maioria muçulmana, inclusive na repercussão que possa acontecer em mim...


mercredi 16 mai 2018

No frescor da idade

Nem sempre ela me reconhece quando nos cruzamos na rua, mas quando tenho tempo, abordo-a delicadamente. Pequena senhora de quase 90 anos, charmosa com seus cachinhos grisalhos num corte chanel, abriu um sorriso como faz sempre. Se dizia atordoada pela maratona de palestras que tem acompanhado no Collège de France, com o frescor de uma garota de 20 anos. Poderia escutá-la por horas, admirando a sensibilidade de alguém com tanta experiência e tão aberta ao mesmo tempo.
Como muitos idosos franceses, ela me impressiona pela enorme energia, o brilho nos olhos quando conta suas últimas idéias na produção de peças de teatro, dos feitos dos netos, e talvez bisnetos, longínquos.
Ela é avó de três amigos dos meninos, que tem a mesma idade; naturalmente, e em momentos diferentes,  todos foram amigos.
Atualmente é a vez de Iago e Nathan. Tocam o mesmo instrumento, partilham o mesmo suporte na orquestra. Há alguns anos, Hector e Ariel partiram em férias à casa da familia no sul da França, e quando ela os reencontra sempre abre um grande sorriso, emocionada.
Se diverte me contando as tardes que passa com Nathan, e partilhamos a alegria da espontaneidade que as crianças trazem, da sua maneira tão pura de ver a vida.
Se essa intimidade com o mundo secreto infantil, que interessa tanto a ela quanto a mim, for o segredo da sua jovialidade impressionante, talvez eu esteja no bom caminho, o de envelhecer sabiamente, aberta e à escuta...

mardi 15 mai 2018

Na ausência, surge a importância

Cortei o dedo. O polegar esquerdo. Durante um dia todo fiquei impressionada em como ele é importante na minha vida.
De digitar a pegar qualquer coisa, eu o utilizo o tempo inteiro.  Sem nunca ter percebido ! De noite estava com dores na palma da mão por tê-la usado de um jeito inabitual. 
Somente na sua ausência é que percebi o tamanho da sua importância. 
Foi então que eu percebi que essa regra vale perfeitamente pra nossa vida... quando a gente convive com algumas pessoas, e de repente quando o convivio é rompido, e fica aquela sensação de vazio, de que falta alguma coisa; aquele gosto esquisito, uma impressão de não ter dado o justo valor... 
Claro que o tempo faz milagres e a gente se acostuma rapido com a nova situação,  por um lado porque a gente é versátil - rapidamente encontrei outras formas pra substituir meu dedão esquerdo - mas por outro lado para evitar o sofrimento mesmo...
Talvez eu comece a prestar um pouco mais atenção e passe a valorizar as pequenas coisas e gestos que a vida me exige.
Talvez eu possa olhar com mais amor as pessoas que me rodeiam...


lundi 14 mai 2018

Dia de filha, dia de mãe

Como ontem foi dia das mães, como filha, fiz o que estava ao meu alcance para homenagear a minha, mesmo a distância. Hoje, foi dia de me exercer com mãe, e viver nas tripas as emoções dessa aventura eterna.
Iago se candidatou para participar de uma classe com horários especiais para estudantes de música, num Ginásio próximo ao conservatório do qual participa.
Quarenta e oito candidatos para trinta e duas vagas. Por mais qualidade que tenha seu percurso, sendo um bom aluno tanto na escola quanto no conservatório, se ele não conseguir a vaga, me sentirei culpada. Me sinto já, de imaginar que eu não tenha feito todo o necessário. Sei que fiz as etapas administrativas, intelectualmente. Mas minhas tripas não escutam a certeza cerebral. Eles não mantém quase nenhuma relação nesse sentido, somente no contrário, quando minhas emoções poluem um raciocínio claro, me levando à elucubrações inimagináveis.
Para a tal da vaga, ele passou por uma entrevista, que teve como intenção verificar se a motivação de participar da classe partia realmente da criança, e não de um desejo dos pais. Acho que ele tem tudo isso, a motivação, o engajamento, a inteligência pra dar conta dos estudos e da música...mas ali, naquele corredor de espera, vivi os cinco minutos mais angustiantes do ano. Queria ser ele ali, que meu coração tivesse batendo no lugar do seu, apesar de ter a consciência de que certamente estava respondendo com sua naturalidade e sinceridade habituais, e encantando com seu sorriso bochechudo. Mas, como mãe, queria evitar que ele passasse por todo esse estresse...
Quando ele saiu sorrindo me senti mais leve e só falei "Ça va ?", esperando o caminho a pé até em casa fazer minha ansiedade ir embora pelos meus pés, e aprendendo que a leveza de encarar a vida de uma criança é ao mesmo tempo, um grande mistério e a grande chave da vida...


dimanche 13 mai 2018

Mulher primeiro

Mãe, hoje te entendo.
Entendo suas escolhas, sua maneira particular de demonstrar afeto, de se divertir e de orar.
Nem sempre entendi, mesmo depois que me tornei mãe. Ainda questionava em mim atitudes incompreendidas. Os filhos ainda eram pequenos, a dedicação ainda exclusiva. A maternidade era ainda novidade.
Conforme eles foram crescendo, fui percebendo a
necessidade de preservar um certo espaço, como se, pra dar o melhor de mim (não TUDO de mim), precisasse cuidar de mim, me respeitar, não me doar por inteira.
O que resta de uma mãe que se sacrifica até a ultima gota ? Como envelhece uma mãe que não preserva seu espaço como mulher ? 
Mais do que me  ensinar a ser mãe, você me mostrou pela sua postura, como ser, antes de tudo, Mulher. Com M maiúsculo, de  madura, majestosa, marcante e maravilhosa. E por que não de Marly ?
E mesmo que não concordemos sempre, te entendo, minha mãe, compreendo sua trajetória e te agradeço principalmente, por ter me dado a vida.


samedi 12 mai 2018

Ser Estar

Posso eu ser bela e efêmera feito flor ?
Posso eu ser significativa e inesquecivel 
como o primeiro beijo?
Posso eu ser profunda e simples 
como perfume de chuva ao encontro da terra ?
Posso eu ser ?

Preciosa enquanto durar...
Forte quando precisar...
Justa sem ser parcial...
Determinada sem abandonar...

Posso eu estar disponível 
em qualquer momento e em qualquer lugar ?
Não mais divagar, 
só me espalhar e 
transformar-me em brisa
 que palavras não possam alcançar...
como a existência que insiste em me testar.

vendredi 11 mai 2018

A vida que corre nas veias

Elas jogam gritando lá embaixo. Vou no balcão espiar. Como eu jogava "Coca-cola um sorriso pra repartir, pra refrescar, pra gente curtir "ou "Fui no cemitério...tério, tério, tério". A brincadeira nos fazia sentir vivas, o corpo mexendo, a alegria circulando. Ainda sei jogar, as mãos vão sozinhas, tem uma memória própria. Posso sentir o que elas sentem : com o entardecer, o perfume das plantas se refrescando se libera e o vento morno traz o relaxamento e os arrepios do encontro com o suor. Brincar numa sexta à noite tem gosto de poder dormir até mais tarde no sábado de manhã...
Uma faz estrelas, outras se sentam ao redor das flores. O céu esta arroxeado,  esses momentos ficarão marcados nelas se sentirem a vida que eles proporcionam, essa que corre nas nossas veias e que raramente nos damos conta.


jeudi 10 mai 2018

Perfumes de infância

Um filme numa fazenda na Bocaina. Aquela luz invadindo cada peça, suavemente amarelada por atravessar as árvores. Peças frescas, protegidas do calor.
Voltei à fazenda que ia na minha infância, no interior de São Paulo.  A longa estrada que levava à casa, era lageada de Pinheiros. Nas tardes quentes me lembro de passear e recolher pinhas pelo caminho, enquanto pisava nos galhos perfumados pelo chão. Aa árvores altas me pareciam um longo túnel, 1 para os meus quatro ou cinco anos...
Alguns quartos se interligavam, e a gente aproveitava pra brincar de esconde-esconde naquelas peças recheadas de esconderijos gelados. Ajoelhávamos no piso de cerâmica pra nos escondermos sob os móveis de madeira maciça. A varanda estreita e aconchegante com uma muretinha era outro canto onde brincávamos até o entardecer. 
Então íamos até a cozinha, e nos aconchegávamos perto do fogão à lenha, que perfumava a casa toda. 
Lembranças que me visitam muitas vezes, preenchidas de sentimentos de uma alegria leve de criança, de vento batendo no rosto, de perfumes e luminosidades precisas. 
Talvez essa lembrança alimente minha tentativa diária de olhar a vida de uma maneira mais simples...

mercredi 9 mai 2018

Cachoeira pra lavar a alma


Peguei a estrada hoje, no Viralakombi, a kombi-home mais canina do Brasil. Pelas imagens fui me transportando com eles: Tati, Joel, Chico, Chica e Lolita Rodrigues...praticamente uma família numerosa. Nas ruas de terra, nas estradas que me parecem familiares, o aconchego compartilhado desse cantinho criado em família, com a ajuda do Edison e suas habilidades preciosas de tratar a madeira e a genialidade do Joel. Dá vontade de juntar os trapos e se mandar com eles. Já na quarta trip, descobrem novos campings, a hospitalidade que corre nas veias do brasileiro que o mundo desconhece. Desvendando devagarinho o Brasil, espero que eles consigam mostrar cantos ainda preservados e acolhedores, de forma inédita e autêntica como tem feito.


Das árvores das Serras Mineiras que eles visitaram trago a lembrança das sombras que me protegiam enquanto eu amamentava o Ariel em seus 5 meses de vida. Das inúmeras cachoeiras que Minas Gerais esconde, guardo a  sensação da água geladas e transparentes das que visitei na Serra da Canastra.
Numa fazenda rodeada por cascatas, acordávamos com o mugir das vacas. Naquela casa sem forro, a comida era farta, o sorriso escancarado, um afeto transbordante que não pedia nada em troca. Pão de queijo, biscoito de polvilho, mas também o porquinho do quintal na ceia de Ano Novo. Céu estrelado, sem fogos, como o que a Tati e o Joel proporcionaram aos seus filhos caninos. Banho de chuva nas caronas das bicicletas, não impedia o cochilo dos meninos e garantiu sua imunidade pro resto da vida.
Enquanto conseguirmos conciliar a descoberta de lugares como esse e a sua preservação, suas tradições e costumes estarão garantidos. Enquanto esse Brasil acolhedor existir, haverá esperança.

mardi 8 mai 2018

Beleza urbana

De dentro do trem avistei um guindaste, com seu contorno valorizado pelo pôr do sol ao fundo. Não sei quando comecei a admira-los, mas onde eu morava antes, via da janela dois deles, e o sol e a lua se revezavam para ilumina-lo. No Natal, eles até se vestiram de luzes coloridas...
Durante o dia, quando eles giravam como se estivessem dançando uma musica inaudivel, achava aquilo de uma delicadeza ! E como se a distância com a beleza da natureza tivesse me ensinado a admirar a beleza da cidade. As combinações de cores dos grafites, da forma e de uma poesia que  aparece no inesperado, da interação das pessoas com a cidade.
Desde a época da faculdade, descia a Consolação encantada com as luzes e os neons, como se a cidade testemunhasse os passos que eu dava, e me devolvia suas luzes combinando com o tempo, chuva ou sol. Hoje me encontro rodeada de guindastes, que me chamam a atenção poetisando meu dia, me dizendo que a beleza mora em tudo, basta olhar com a devida atenção.
Espero que a beleza urbana saiba guardar uma relação de intimidade e respeito com a natureza; que as flores possam brotar do concreto e as trepadeiras encher os muros de verde.

lundi 7 mai 2018

Escuta com respeito

Assistindo o noticiário do meio dia, me emocionei com o lançamento do filme "Monsieur je sais tout". A história fala da relação de um menino que tem a Sindrome de Asperger, um tipo de autismo, e seu tio treinador de futebol. 
Me lembrei de um aluno que acompanhei como Psicóloga Escolar numa das escolas que trabalhei. Extremamente inteligente, Leonardo (nome ficticio),  em classe era disputado pelos colegas, que pediam sua ajuda; enquanto nas quadras das aulas de esporte, se integrava dificilmente ao grupo. Uma grande ajuda que tinhamos era a do professor de Educação Fisica, Fabiano (tb ficticio). Experiente, afetuoso, com leveza e naturalidade, graças a ele, certamente Leonardo pôde viver momentos especiais no seu período escolar. Pois, como é tipico de crianças com essa síndrome, as relações sociais são dificeis e delicadas. E Fabiano conseguia dar a atenção que ele precisava, acalmando sua ansiedade sem lhe forçar a fazer o que se esperava das crianças, mas fazendo com que ele fizesse ao menos alguma coisa. O maior exemplo que pude acompanhar, foi quando a equipe conseguiu que ele participasse do acampamento anual da escola. Me lembro ainda das dificuldades que enfrentou, de simples passeios à lamaçais e tobogãs...tendo que superar seus medos, e conseguindo , com a retaguarda da nossa equipe tão unida daquela época.
Profissionais como Fabiano são imprescindiveis, verdadeiros aliados da educação que respeita a criança como ela é, procurando ao mesmo tempo incentivá-la a avançar e acreditar em si mesma. Só com essa atitude de escuta as crianças poderão, Asperger ou não,  crescer e se desenvolver plenamente.
Me pergunto onde anda Leonardo, nos seus 20 anos de idade...

dimanche 6 mai 2018

Arte do convivio

Mais um capitulo da Horta Coletiva. E tão interessante esse convivio, como se tivéssemos cada um seu apartamento, so que vendo o que cada um coloca no seu.
Assim, acabo conhecendo os interesses culinarios, o senso de organização, de estética e a preocupação com o alinhamento nas plantações mais organizadas. E todo mundo vê e acaba dando palpites na parcela do outro. Que são, ao meu ver, até que bem recebidas... 
Como qualquer espaço coletivo, tem o pessoal que "comanda". Quem conhece as senhas dos armarios onde ficam os materiais coletivos e o do cadeado do galinheiro, pertence a esse grupo. E pouco a pouco vou entendendo o porquê. Eles realmente sabem como colocar o maximo  que podem a nossa disposição e trabalham por gostarem e pelo coletivo. Fabien é um deles, que comprou varios sacos de terra e revendeu a os interessados pelo mesmo preço. Também me incentivou a usar o esterco de galinha dando as dicas, e esta sempre resolvendo as encrencas que aparecem. Hoje mesmo, uma senhora achava que tinham roubado alguns de seus bambus que ela usaria nos suportes dos seus tomateiros. O que se sentiu acusado foi no mesmo instante resolver o mal entendido pedindo a ajuda de Fabien. Ah se tudo na vida pudesse ser resolvido assim, no mesmo instante com um bom mediador...
Mas a vizinhança não é so intriga... também tem simpatia e generosidade. Quando passei la ontem para regar meus pés de pepinos, conheci a minha vizinha da esquerda. Depois de alguns minutos de conversa, ela me reconheceu de um passeio que acompanhei o Iago na antiga escola, onde é professora. Com o cuidado de uma professora, da uma atenção especial ao seu canto, forrando os pés de morango e colocando plaquinhas com os nomes do que planta. Hoje nos cruzamos de novo, e ganhei dela mudinhas de pimentão, abobrinha e tomate. 
Talvez os seres vivos, plantas e bichos, tenham a missão de intermediar os humanos em suas relações às vezes tão complexas. Talvez eles possam nos ajudar a sermos mais humildes e respeitosos uns com os outros, pois quando essas entidades estão entre nos, tudo parece mais simples.

samedi 5 mai 2018

Cena surreal

Ontem, depois da exposição incrivel que assistimos, fomos comer num bistrot do bairro. Estavamos perto do Père Lachaise, um quarteirão super mixto, com lojas estrangeiras, casas de cha arabes e butiques em outros idiomas.
Achamos um onde ainda batia sol. Claro, não basta uma mesa, tem que ser ao sol. Garçom fofo, coisa um tanto rara por aqui. Sorridente, nos ajudou a escolher um rosé servido, pasmem, com gelo, chamado "Moment de plaisir". Bom, ta calor e rende mais...bora experimentar. Quase seis da tarde, decidimos dividir  um camembert grelhado com mel, servido com pães ao alho.
Demorou uma eternidade, mas o tempo não passa quando rimos juntas, eu e Kathleen. Lembravamos ainda do momento em que tentavamos tirar uma selfie durante as luzes da exposição... saimos com caras incriveis, tipo, agora, tira a foto, agora; valeu cada tentativa, pra chorar de rir.... 
Mas o grande acontecimento do fim de tarde ainda estava por vir. Estamos la, simplesmente nos deliciando com nosso camembert derretido, com grãos de gergelim e mel, quando se senta um rapaz na mesa ao nosso lado. De repente escuto "Nossa, esse queijo tem um cheiro forte ! " Com os dedos tampando o nariz !
Digo naturalmente, é um pouco obvio que cheire forte, visto que estamos comendo um camembert. A pessoa insiste, algo inacreditavel ! Sou forçada a dizer que se ele esta se sentindo incomodado, que se mude.
Rimos muito, claro. Que cena foi essa ? Pra mim, surreal.
Como alguém pode se sentir tão a vontade de reclamar à ponto de ultrapassar esse limite ?! A pessoa não podia simplesmente se afastar, discretamente ? Pois duas mulheres não se sentiram nem um pouco intimidadas com seus comentarios anti-cheiro-de-queijos. Certamente, uma brasileira e uma alemã estavam mais parisienses do que o rapaz de topete perfumado. A gente so não conseguia acreditar naquela cena...
Mais tarde fiquei pensando o que sera que ele esperava da gente. Hoje as pessoas, principalmente as mais jovens, facilmente acham que tudo tem que acontecer como elas esperam, como querem que aconteça. Talvez pela rapidez de tudo que nos rodeia, que faz o tempo correr sem que a gente perceba...
Minutos depois ele se levantou e foi para a mesa mais distante que pôde. Nos, mais uma vez, rimos até chorar, fazendo durar o Moment de plaisir rosé com gelo, destruindo até a casca, o delicioso camembert, esperando o sol se deitar para então partirmos.

vendredi 4 mai 2018

Parte da obra

A technologia fez algo maravilhoso na exposição que fui assistir hoje. Achando que ia acompanhar minha amiga alemã a uma exposição como qualquer outra, fomos realmente pegas de surpresa.
Klimt, suas cores e formas únicas, Hundertwasser, artista contemporâneo à ele, não menos impressionante; e por fim, uma incrível criação contemporânea criada artificialmente, 
O galpão desfilava em todas as suas paredes, colunas, e no chão, imagens organizadas de cada um deles, com uma música escolhida primorosamente para acompanhar. Assim, o que era pra ser uma apreciação visual se transformou numa viagem de todos os sentidos, como se pudéssemos estar dentro da arte de cada trecho, no percurso e na história de vida traçada por cada um.
Ao entrarmos, praticamente não conseguíamos nos mover. Queríamos olhar para todos os lados, sentíamos a necessidade de não perder nada, mas era impossível presenciar todas as imagens, que eram diferentes em cada parede. Hipnotizadas, girávamos em torno do nosso próprio eixo, imersos naquele outro mundo.
Chorei ao me sentir em meio as flores de Klimt, quase senti o perfume das folhas secas da floresta que se seguiu. Hundertwasser e suas casinhas coloridas, de janelas tortas, mas com estilo próprio, me remeteram ao Pelourinho, na Bahia.

Na segunda sessão, procuramos outro ângulo, a emoção ja não foi a mesma, mas conseguimos ver mais coisas, menos tensas, pois a vontade de não perder nada nos impedia de relaxar.
Já na terceira rodada, nos instalamos no chão e pudemos observar a interação e o encantamento dos outros com aquele espetáculo tão particular. Num banco, cinco idosos tinham se instalado e enquanto alguns ainda conversavam entre si, um senhor dormia, fazendo parte dos relevos que enriqueciam o cenário.
Saímos desse mundo quase três horas depois, sentindo que a vida é muito linda, e que ainda existe sensibilidade para transmití-la e expressá-la com tamanha sutileza...
 

jeudi 3 mai 2018

Buraco valioso

Paris me pareceu enorme hoje. Muito maior do que eu sempre pensei.
Lá vou eu num "Fórum de profissões que contratam". Só da área social. 
Tudo bem, cheguei um pouco atrasada. As 11h da manha, a fila dava quatro voltas. Todo o quarteirão. Me senti pequenininha, a ponto de me sentir completamente desnecessaria. Tanta gente diferente, precisando de um emprego, e eu ali, despreparada, dez anos sem trabalhar. Sem pensar duas vezes, fui embora. 
Esses dez anos que passei cuidando do Iago e dos meninos, no meu CV, é chamado de buraco. Um buraco, eu ter parado de ganhar dinheiro, um buraco eu trabalhar sete dias por semana exercendo funções repetitivas e interminaveis. Sem pressão, fato. Sem horario, verdade. Mas invisivel e sem nenhum reconhecimento. Pois esse "buraco" é muito valioso, talvez onde eu mais tenha contribuido pra alguma coisa nessa vida, e devia receber o devido valor.

Fui andando, pra espairecer. Meio sem rumo, cruzando as pessoas nas ruas, homens uniformizados nas obras, mulheres em salto fumando do lado de fora dos bancos. Muitos grupos ja saindo pra almoçar, jovens e elegantes. Restaurantes começando a encher, e seus garçons de idades variadas, ja esbaforidos mesmo antes do meio dia. Qual percurso cada um deles passou para estar ali naquele emprego ? Quantas entrevistas rejeitadas tiveram antes de conseguirem-no ? Tendo que provar seu valor, sua capacidade e suas competências ?
Me pergunto se estou pronta pra tudo isso... se um dia estarei, se é que algum dia estive... Talvez eu viva num outro planeta, o da horta coletiva, ou dos mosaicos imprevisiveis... onde me sinto viva e produtiva.

mercredi 2 mai 2018

Sinceridade do gesto

A cena salvou o dia. Cinzento, morno, com gosto de inútil, apesar de eu ter feito tanta coisa. Mas nada mais importante que isso.
Deixo o Ariel com seu skate em frente ao supermercado. Parada no farol, o observo. Ele estende a mão e cumprimenta, olhando nos olhos, o rapaz que pedia dinheiro junto à porta. Ele já tinha me falado de sua atitude em relação às pessoas que pedem dinheiro na rua, mas é a primeira vez que vejo.
O choque não veio da atitude dele, mas da naturalidade daquele aperto de mão. Naturalidade da qual eu sei que não seria capaz. Olhar naqueles olhos, como até costumo fazer quando dou uma moeda, mas sem piedade.
No meu olhar de piedade não há ajuda, há quase uma comprovação de derrota. Há uma superioridade medíocre, pois nada me faz superior àquele ser humano que tem a coragem de pedir ajuda. Eu, no meu orgulho, nunca teria.
No olhar do Ariel tinha parceria, no sorriso, a prova da existência de alguém habituado a ser tratado como invisivel. Um instante de companheirismo cheio de dignidade. Ele não podia dar mais que isso, e deu certamente mais do que eu dou com minhas moedinhas... Generosidade talvez seja dar aquilo que temos de mais precioso, que vem de dentro, do fundo, que não podemos fabricar...
O farol abriu, e fui embora com um sentimento bizarro de vergonha e felicidade por esse menino ser assim, tão mais sincero que eu, tão mais maduro do que eu poderia imaginar. 


mardi 1 mai 2018

Além dos olhos

Não. Não sou a mesma de ha quinze anos. Nem por fora, nem por dentro.
Não. Não guardei os ares de menina. Normal, pois não sou mais.
Nem eu, nem a Marisa Monte, nem a Maria Rita. E não, não foram os filhos que nos fizeram registrar as marcas do caminho no rosto e no corpo. Eu, e quantas outras mulheres também; registramos o percurso que traçamos, talvez um tanto injustamente. Sobrecarregadas de funções : trabalho, educação dos filhos, tarefas domésticas não divididas, e depois dos quarenta, as mudanças hormonais.
Ninguém precisa dizer que mudamos, é tão obvio. E fazer esse tipo de observação superficial é se apegar ao que o fisico nos limita, a esse fisico que para algumas pessoas, é tão duro de encarar, de suportar.
No fundo de mim mesma, minhas palpebras que começam a descer, meus musculos que não respondem mais com a mesma eficacia, não correspondem ao vigor que sinto por dentro. Ha uma alegria que não é sempre demonstrativa, que não acha graça na depreciação, mas que se diverte com as proprias mudanças e dificuldades, que vê beleza onde não via antes, com uma sutilidade e sensibilidade que se instalaram graças ao tempo.
Que possamos experimentar profundamente as mudanças com toda sua plenitude, que consigamos escapar dos esteriotipos miseraveis impostos pela nossa sociedade patriarcal, que insiste em ditar o que é belo, exteriormente.
Eu sinto o que é belo, mais profundamente do que meus olhos podem ver. E sinto que posso me abrir mais e mais a esse novo ponto de vista. O que nos impede de tentar ? So depende de nos, enxergar além do que nossos olhos padronizados podem ver...