samedi 22 septembre 2018

Porque temos uma à outra

De longe, nos acompanhamos. Quase sempre foi assim. Mas, de verdade, o longe nunca importou. Revê-la é voltar à infância, à juventude, aos momentos compartilhados. Não nos esquecemos de quase nada. A amizade mora em nós, sem que precisemos ouvir outra voz. Quando esteve longe, trocávamos cartas. Eu me desculpava por serem curtas, mesmo sendo extremamente longas. Eu era extensa, me estendia por onde não precisava e não devia. Era precoce e rígida, até na linha imaginária que acompanhava minha letra então redonda e contida.
Mas dava sem pedir nada em troca, na beleza ingênua e generosa da juventude, na crença de que o mundo estaria só esperando pela minha chegada. Cheguei, e fui pega de surpresa pela realidade.
A nossa vida, minha e dela, mostrou que o mundo não se incomoda tanto assim com a nossa presença; nem com a nossa sensibilidade e força de trabalho. Mais um dia nos encontramos, mais uma vez confirmamos o que vivemos há muito tempo : que não podemos nos abandonar, que não podemos deixar de lutar : por nosso lugar, nossa vida, nossos sonhos... e das mulheres que virão depois de nós. Mas, acima de tudo, agora. E primeiro, por nós. Sempre.

mardi 11 septembre 2018

Atravessando dunas

Filho, você não é mais o mesmo das fotos que te mostrei hoje... não é mais aquele menino que gostava de brincar com seus dinossauros desde pequenino, não tem mais medo dos sons fortes dos animais e dos filmes. Não cabe mais no meu colo, agora sou eu que caibo no seu. Não desenha mais pelas areias da praia, prefere simplesmente sentir nos pés as areias das praias do mundo. Não quer mais escolher o caminho de volta pra casa, já escolhe sozinho cada passo do seu caminho.
Mas no fundo, você ainda é o mesmo das fotos que te mostrei hoje...seu senso de humor que combina tanto com teu sorriso, tua generosidade e compaixão, teus silêncios carregados de sentimentos não ditos, profundos e grandes como você.
Continua, filho, a vida é só mais uma duna das muitas que você atravessou em suas andanças por ai, à espera de sentir teus pés determinados alcançarem o mar que se encontra logo ali, atrás dela...

lundi 10 septembre 2018

Um concerto conserta.

A volta à rotina impõe uma servidão ao tempo. Já ficando acostumada a respeitar o ritmo da necessidade, percebi que correr atrás do tempo cansa, pior, quase nos faz desaparecer, funcionar em sua função.
Eis que surge um convite para um concerto. Ah, nada mais poderoso que um concerto para me consertar, me tirar do marasmo que acomoda.
As idéias ficam de lado, perdem a prioridade.O som ecoa dentro da caixa acústica na qual me transformo. Ele é puro, vibrante. Toma todo o espaço. Octuor, oito músicos e seus diferentes instrumentos. Respeito tanto esses seres musicais. São mais que humanos, se aproximam do mundo impalpável, pouco a pouco se aproximam de uma outra sensibilidade : a da escuta. Se não se abrem ao som, como saber se ele é justo ?
Mas não basta a escuta, é preciso estar junto; absolutamente. Cumplicidade nos olhares que se acompanham, uma outra energia aparece, é perceptivel. E então a vibração atravessa, rompe as barreiras concretas do corpo. 
O som aveludado acaricia primeiro os ouvidos e então alcança todo o corpo, curando como quando fazemos uma prece que, por fim,  abençoa a nós mesmos.
Nunca vivera um "piano" tão perfeito. Tão suave, tão delicado, e ao mesmo tempo tão preciso. E o prazer de observá-los por duas horas, no êxtase da intimidade com o seu instrumento. Música cura, lava a alma feito cachoeira, vibração misteriosa de uma outra dimensão.

dimanche 9 septembre 2018

Atmosfera de amor

O que eu te desejo hoje, é que se levante com um gosto de vida. Que escute logo cedo a voz do seu neto te chamando, e que ganhe dele um grande abraço e um beijo, mesmo que seja melecado de caca de nariz. Que quando desceres para tomar café e na cozinha chegar dando o seu "Bom dia !", seja recepcionada com muitos abraços apertados daqueles que estiverem lá. Outros vão chegar no decorrer do dia, que com certeza, você já começou a comemorar ontem. A idade é só uma convenção, mas isso você já sabe há muito tempo...o que conta é festejar, com o sorriso no rosto e a taça de vinho na mão mais um dia nessa atmosfera de amor, que você mesma ajudou a criar. Viva seu dia, mãe, festeje seus 65 como se fosse os 35 que você vive dentro de você, e compartilhe essa luz toda de amor e esperança que só você é capaz de espalhar ! Te amo !

lundi 3 septembre 2018

Entre dois


Volto pra dentro. Estive fora, tão fora, completamente fora. E dentro, tanta fala, tantas vozes. Preciso escrever enquanto estou aqui, no ar, entre os dois. Os dois continentes que amo, os dois países aos quais pertenço.
Volto à falar comigo mesma, à preencher minhas linhas e romper as distâncias. Pois sim, descobri que escrevendo estou perto, tão perto de todos, do que a minha presença física é incapaz de preencher. Ficamos cúmplices de algo que não precisamos falar, gravado nas linhas entre quem escreveu e aquele que leu. 
Aceito voltar. Preencher as linhas com essa voz que me habita, tentar registrar a vida que corre em mim, enquanto as lágrimas correm sobre mim. Bach toca em meus ouvidos, estou rodeada de muitos, mas completamente só. Não estou mais no mundo dos abraços, do cheiro de umidade no ar, da flor de laranjeira, dos risos altos. Volto para onde estava, pra dentro. E aguardo a diluição do tempo, o mundo dos sussurros me retomar, do reencontro com a vida alimentada de longe.
Sou agora, sob esse mar que sobrevôo, o vazio da alma que não queria partir. Serei o que o tempo permitir que reste do perfume e da vibração da minha origem.