lundi 27 août 2018

Logo ali, existo

Por aqui tem uma tribo da qual faço parte. Não tem cacique nem pajé, mas tem muita dança e muita música, muita energia que passa entre conhecidos, desconhecidos, passantes, assíduos. Ali sou todos e não sou ninguém. Não importa quem sou, faço parte do todo, e é por isso que existo.
Na nossa língua, em outras, tangos, preces, mantras. Tudo se transforma quando pequenos passos se manifestam expressando o que o corpo sente, vibrando em seu ritmo, levando os outros junto. Quando os corpos vão em direções opostas, parece que a energia circula ainda mais, como se os ventos não tivessem mais como se opor, já que o movimento está em todo lugar. O espaço acolhe, o tempo não existe mais.
N'outro dia, n'outro lugar, conhecido, cujo perfume e atmosferas tão familiares me emocionam; muitos eram também conhecidos. Abraços calados e densos, alguns rodeados de lágrimas, também silenciosas, que diziam mais do que as palavras. O rito era em torno da fogueira. A fumaça vinha no rosto mostrando quem mandava. O vento fazia com que sua direção mudasse, nós resistíamos àquela força intensa, sufocante, e ela partia em seguida, como se tivesse, por alguns segundos, só testando nossa resistência.
Defumei-me, não só as roupas como também os cabelos, e depois a toalha onde os enxuguei. Como se tivesse sido benzida, carreguei por alguns dias e agora registro a emoção sem palavras de estar nas rodas onde mais me sinto viva.

lundi 20 août 2018

Remanescências de um dia de outro tempo.

Raramente se reúnem, todos eles. Os cariocas fogem do frio, os paulistas do calor. Mas esses quatro irmãos sentimentais encontraram um bom "motivo" para se reunir : a minha presença.
Lisonjeada de participar do encontro, gostei de ser uma razão de se verem, e viverem intensamente, em um dia, toda a emoção guardada durante o ano para esse momento.
Uma parte do afeto vem pela comida...e o preparo faz parte. Irmãs cúmplices até nas toucas, administraram a cozinha e o tempo de forma impecável. Milagres como cozinhar cinco polvos na mesma panela que seria usada para o feijão cercavam esse ambiente perfumado de mar e suas bençãos.
Enquanto digeríamos as iguarias e os vinhos consumidos, a música encontrou um espaço. Tons diferentes, ritmos e deslizes não impediram a emoção de circular entre irmãos, cunhados, sobrinhos e sobrinhos netos. Lembranças do passado e anseios para o futuro encheram muitos olhos d'água, de emoções silenciosas que não precisavam ser ditas. Naqueles instantes, partilhávamos todos, apesar das constantes diferenças; a impressão única do estar junto.

Recarregamo-nos, para muito tempo, tempo diferente do corrido, um tempo vivido que vai nos nutrir cada vez que um gosto, um cheiro, um som surgir como remanescência desse dia inesquecível...

jeudi 16 août 2018

Escola de Vida

Revirando livros e álbuns na casa de meus pais, me deparo com um livro caprichado feito pelo Ariel. Feito à mão, relata os dias de uma viagem que fez com a escola Ágora, um dos lugares que mais me fazem falta no velho continente.
Já pressentia o porquê na nossa partida, como se estivesse abrindo mão de um dos grandes encontros da minha vida. A passagem dos meninos por essa grande casa sem paredes construiu a base do que são hoje. Nesse mundo doido, ao menos eles sabem que tudo pode sim, ser diferente. Sinto profundamente que o Iago não possa vivenciar esse lugar, registrar em seus poros aquela poeira fina e umidade perfumada de eucalipto. Que não tenha vivido o acolhimento silencioso da Léo, a firmeza tenra da Terê, uma verdadeira vida em comunidade.
Nas entrelinhas desse relato-livro do Ariel, se revela a preciosidade dessa escola. Num caminho de transformar o vivido em palavras, aprofundava a cada linha sua sensibilidade num registro eterno. Sentimentos simples, assumidos, que encontraram palavras para serem visitadas hoje, por ele, por mim, para quem tiver a sorte de folheá-lo. Sentimentos que hoje norteiam os gestos desses meninos-homens, que puderam saborear o esforço de vivê-los plenamente.

mardi 14 août 2018

Como se abrir ao novo ?

Uma paradinha na padaria é um acontecimento diário em qualquer canto de São Paulo. As vezes é só pra comprar pão, mas o melhor mesmo é matar as saudades de algo que você não come há muito tempo. A ocasião se apresentou, e dei a sorte de estar perto de uma nada mal... fugi das aberrações combinadas tipo croissant recheado, e avistei de longe o que procurava : um simples pão de queijo. Se apresentava em dois formatos, vários pequeninos ou uma  generosa unidade.
Escolhi comer um só, que acabara de sair do forno, perfumando totalmente o ambiente. Tentando não abrir espaços às expectativas, comi lentamente aquela iguaria tão perfeita. Na dificuldade de encontrar palavras para descrever, só consegui registrar a maciez daquele recheio rodeado pela crosta crocante, com um ligeiro gosto de parmesão levemente torrado, que fazia a boca salivar à espera da mordida seguinte...
Não, não se compara a outra experiência, à outros pães de queijo que vieram depois desse encontro com o novo. Mas se eu pudesse viver cada alimento dessa maneira, experimentaria uma outra existência.

samedi 11 août 2018

De encontro ao reencontro.

Ah, as pequenas alegrias do meu Brasil.... O avião pousa e o rapaz ainda está ali, sinalizando para orientar seu estacionamento. Chove e faz frio, mas mesmo com uma capa de chuva desajeitada ele acena para o Iago, que, da janela do avião, tenta estabelecer o primeiro contato com essa gente que ele quer tanto bem. Apesar de todas as condições, ele responde sem deixar de cumprir com sua função. Iago me olha sem acreditar no que vê, sorrimos juntos de emoção, na certeza de estar sentindo a mesma coisa. Sim, só poderíamos estar no Brasil.
Sua expectativa é grande, dois dias dormindo pouco, horas em contagem regressiva, é ansiedade que não cabe mais dentro dele. Já tinha imaginado quantos abraços apertados daria em cada um que encontrasse. Sorrisos se espalham pelo trajeto : no moço da alfandega; na atendente que cruzei o olhar,  mesmo sem parar, no Duty Free. Sorrisos e abraços, sim, estamos mesmo no Brasil. 
O beijo é único, mas os abraços são longos. Me pergunto por que sempre esquecemos como é bom abraçar. Se sentir nos braços do outro, em seu calor, no acolhimento. Sentir o que o outro tem a me oferecer, retribuir na justa medida, sem encontrar palavras. Abraçar sem economia, sem guardar nada para si, abraçar para reconciliar emoções distantes, dar-se. Estar no Brasil é se disponibilizar pro abraço, reconhecer seu devido valor, e a cada vez que pisamos nessas terras ainda tupiniquins, permitir que tudo ainda aconteça, e se reestabeleça.

dimanche 5 août 2018

Próximo passo

Ontem completei seis meses de escrita diária. Esse processo me ensinou um bocado sobre mim mesma, e queria dividir com quem me acompanhou até aqui. O que eram quinze linhas todo dia, se transformou em trinta, às vezes mais. As vezes escrevia fluido, como numa entrega, uma necessidade de registrar uma vivência, em outras, tive que me exigir um esforço enorme para conseguir escrever algo. Algumas vezes libertador, outras castrador. Mas todas as vezes ao terminar, uma sensação de cumprir um acerto feito comigo mesma, independente do resultado final.
Escrevi pra mim mesma, pra organizar meus sentimentos e emoções tentando usar as palavras. Quantos textos me esclareceram coisas não digeridas ? Quantos aliviaram angústia desproporcionais, mas grandes o suficiente para que eu sentisse necessidade de falar delas ? E como foi bom encará-las de frente, diluí-las.
O que achei mais precioso no processo, foi o esforço sincero de escuta do instante e de transformar em registro. Pretendo continuar nesse rumo, mas de uma maneira mais solta, menos obrigatória. Compartilharei menos, mas continuarei escrevendo, para estar mais próxima de mim mesma, do meu funcionamento, das minhas necessidades; dos meus sofrimentos e aprendizados.
Quem quiser me dar sugestões ou opiniões para os próximos passos, estarei a escuta. Obrigada por ter chegado até aqui. Obrigada à você, obrigada à mim mesma.

samedi 4 août 2018

Um dia um pouco diferente dos outros.

Acordou com o pai chamando. Tinham combinado de ir comprar o presente juntos, mas não valia a pena. Sem problemas, pai, respondeu ele, a gente vê quando eu voltar. Chamara-o as 10h37, hora do seu nascimento aqui, e lembramos desse dia rindo da temperatura de sua cabeça saindo de mim e das manobras que fiz pra cortar o cordão umbilical. Presente adiado, sobrou o convite pra um rolê de bike. Preguiçoso não queria ir, mas lembrei-o que ia passar um mês sem ver o pai.
Voltaram sorridentes com os ingredientes pra clássica da dupla : a torta de limão. Dividiram as tarefas e se puseram a trabalhar. Entre uma nova técnica de esmagar os biscoitos e a ousadia de misturarem limão verde e siciliano, o entrosamento foi perfeito, à ponto da torta ficar pronta no momento em que eu precisava usar o forno.
Teve até coca com gelo e limão, o que não entra em casa há mais de ano. E no menu, uma das muitas carnes preferidas do aniversariante, filet de pato...
A tarde quente terminou com a chegada da torta, já fresca depois de horas na geladeira; e de muitos gostosos e surpreendentes desejos de parabéns.
Pra esse menino que começa o décimo primeiro ano de sua vida, o dia foi mais que especial. Foi o primeiro de muitos outros que virão nesse ano que promete ser cheio de mudanças, exigências e responsabilidades. Pode vir que o menino tá bem na própria pele, como se diz em francês "Bien dans sa peau"; o que pra gente poderia dizer de bem consigo mesmo... 

vendredi 3 août 2018

Esfoladas da vida

Fui buscar uma biblioteca que uma amiga me deu e me esborrachei no chão. Não vi um degrau.
Nem me lembro quando foi a última vez que esfolei o joelho, de escorrer o sangue até o pé, mas a dor é a mesma do meu tombo no bolão - meu triciclo lendário - aos cinco anos. Ali com a minha amiga, que me deu um algodão úmido com antiséptico, me lembrei das tantas esfoladas que tive.
Primeiro lembrei das que minha avó cuidou, as muitas que ela coloriu gentilmente de mercurio cromo pra não arder. Um belo tombo na beira da calçada cimentada na frente da casa dela ralou não só meu joelho mas cada um dos meus dedos da mão esquerda. Olhava-os cicatrizar, e deixar suas marcas...pelo menos elas não arderam. Mas me acompanham ainda hoje...
Os outros tombos vivi por dentro. Não esfolaram à olhos nus, mas as cicatrizes permaneceram. Olhei as feridas, elas arderam, mas aguentei. Elas deixaram belas cicatrizes, finalmente. 
E o que sou hoje, e o que talvez ainda virei à ser, é um apanhado das minhas esfoladas pela vida; as cicatrizes, meus troféus por encarar sua ardência. Me sinto mais forte graças à tê-las aguentado, a perceber que elas não são tão doídas assim. Com o tempo a dor se vai, e a gente fica.  
Meu joelho está ardendo, mas a biblioteca está montada e lindona cheia de livros. Esfoladas, podem vir que eu ainda aguento...

jeudi 2 août 2018

O outro lado da escolha.

Como disse o Hector hoje voltando pra casa : "não podemos ter a manteiga e o dinheiro da manteiga". Esse ditado francês reflete bem a questão da escolha, algo que eu tenho pensado bastante...
O simples contato com a minha pequena produção na horta é um exemplo de que quero tudo. Quero viajar, ver meus queridos, mas também não quero abandonar meus pepinos que não colherei, minhas framboesas que não experimentarei, os grãos do girassol que não secarei...é um grande desafio, fazer uma escolha e desapegar do que ficou do outro lado, daquele preterido, postergado, ou definitivamente abandonado. 
Acho que é por conta do meu apego que ainda hesito tanto em assumí-las. As escolhas que tive que fazer rapidamente ou foram impostas pela vida ou guiadas pelo lado emocional; mas escolhas racionais, feitas com a justa distância e tranquilidade estão longe de serem cotidianas.
Desapego...taí um bom exercício para todos os dias, começo com as pequenas, aos passos curtos talvez consiga ir mais longe...

mercredi 1 août 2018

Um jamaicano em Paris

Ser casada com pesquisador tem suas vantagens. Uma delas é a proximidade que acaba acontecendo com todo tipo de cultura e origem diferente. E isso é maravilhoso !
Há um ano fiquei amiga de uma pós-doutoranda egípcia, médica, que veio com os dois filhos para um ano de Paris.
Hoje Roti chega com um jovem americano, filho de jamaicanos, que veio para um estágio de um mês.
A atração que Paris exerce, acaba enriquecendo à todos que, graças à sua "luz," acabam se cruzando.
Que alegria ver o encantamento com a realização de um sonho. Chego a chorar ! Num inglês gostoso, quase musical, a transparência entusiasmada do frescor de seus 19 anos. Por enquanto, ele mal pode acreditar que está em Paris...e não preciso entender inglês para sentir isso. Seja dividindo a paixão pelos mangás ou o interesse profundo e ainda difuso pela ciência, dá pra sentir toda sua energia, essa empolgação que me atravessa...
Hoje tenho a certeza de que se a gente conseguisse manter um pouquinho que fosse, desse frescor e encantamento pela vida, o mundo seria menos amargo e muito mais doce... que se a gente tivesse um espaço pra saborear profundamente cada sonho, sem ser sufocado por uma sociedade que quer nos encaixar em padrões, poderia manter esse frescor tão presente na juventude. Talvez poderemos, nós adultos, agir ao menos pelos nossos jovens.