samedi 22 décembre 2018

Atravessada pelo divino

Talvez eu fale da mesma coisa de sempre, nessa época do ano. Mas dentro de mim ressoa como novo, esse ano que finda, mais um ano que constato, desesperadamente, que mal vi passar...
Como todo ano, espero ansiosamente pelo concerto de Natal da Orquestra do Conservatório, delicioso hábito cultivado desde os tempos em que Hector ainda cantava no Coral. De ano em ano, ainda guardo impressões preciosas desses mestres da música clássica que mal conheço, e que no entanto parecem tão próximos, tocando notas que não precisam de palavras para emocionar.
Mas este ano, ah; este ano. O verão e o inverno de Vivaldi ressoaram dentro de mim, meu presente e meu passado, como turbilhões de emoção. Sem pedir licença, completamente entregues à seus instrumentos, seres humanos se aproximaram do divino por alguns instantes. Desse divino silencioso em meio à entrega absoluta da tarefa de tocar. Flutuavam em conjunto, como um único organismo; dirigidos pela dança sempre precisa do maestro, cuja alegria impregnava a atmosfera desse lugar que ficou ainda mais sagrado nessa noite. Noite em que uma violonista parecia ter asas, e nos atravessou com seu arco como uma flecha de confiança e esperança. Vivaldi, nunca mais te escutarei da mesma forma, agora você vive dentro de mim... no mais profundo e precioso de mim.

dimanche 2 décembre 2018

A dimensão do homem

A missa do primeiro domingo do Advento coincidiu esse ano com o aniversário do homem mais importante da minha vida. Ele que me mostrou que homem pode e deve chorar, que sempre esteve lá sem nada dizer, dizendo muito mais do que as palavras podem contemplar. Um silêncio que acolhia as confusões dos sentimentos profundos, que ele, com sua sensibilidade e delicadeza, soube criar nos momentos em que mais precisei.
Nessa tranquilidade aparente, mora também uma inquietude infinita. Inquietude que sabe que na calma mora a vida. Essa aspiração que temos em comum, cada um na sua dimensão.
Quando desejamos a "Paz de Cristo" uns aos outros na missa, ao tocar a mão macia de uma criança, soube imediatamente o que buscava. A calma que Cristo teve diante da própria morte, que nos coloca em questão diante desse nosso grão de vida, que temos tanta dificuldade em honrar. 
E vamos caminhando juntos, meu pai, com nossas preces descombinadas, mas ainda assim sintonizadas, esperando que uma grande paz seja possivel. Dentro e fora de nós. Contando os domingos de Advento, que começaram com o seu, seguimos em busca desse encontro misterioso com o mais puro em nós. Na alegria de poder festejar o simbolismo de seu nascimento, renascemos. Você renasce hoje. Felicicidades !

jeudi 22 novembre 2018

O verdadeiro gosto do trabalho

Demoraram a amadurecer os tantos tomatinhos que ficaram enfeitando minha bancada, enquanto se bronzeavam ao sol de outono. Acabaram por rugir diante dos nudismos ocasionais da casa.
Recebi varios conselhos do que fazer com eles : uns fizeram geléia, outros picles; nem esperaram amadurecer. Resolvi me lançar no desafio de fazer tomates secos com os pequeninos. Só não tinha noção do labor...
Convidei o Iago pra me ajudar. Cortar ao meio e retirar as sementes sem amassá-los. Missão simples, mas que aos poucos foi se mostrando longa e fastidiosa. Já com os dedos enrugados, pediu para abandonar a função. Até que fôra longe, para a paciência de uma criança de dias de imediatismo. Talvez o lado escoteiro falou alto...
Para mim, as horas foram se mostrando longas, os músculos precisos dos dedos utilizados se cansando enquanto a cabeça acompanhava o gesto repetitivo, não sem uma certa angústia. Mais de três horas se passaram, para, por fim, encherem três vidros. Improvisando no tempero, fui atras de gostos que aprecio sem desrespeitar os constrastes. Azeite, alho, alcaparras e azeitonas pretas. Esgotada, o sábado a noite foi de um repouso justo, como o devem ser de quem labuta, da lavadeira de rio ao operário, do cozinheiro à vendedora. 
Do começo do plantio à colheita. Da espera, ao encontro pleno do trabalho terminado.
O resultado, só pude apreciar dias depois. E ali, naquele pedaço de pão amanhecido, pude me realizar com os encontros que a minha intuição sugerira, uma apreciação quase secreta, de mim pra mim mesma, da sutil surpresa inesperada. 

Os tomates e o pássaro.

Dias atrás, chegou a hora de me despedir de meus pés de tomate. Entre nós se criou um tipo de relação de mãe e filho; onde eu os nutria de cuidados e alimento, e eles me nutriam por sua vez com seus frutos. Enquanto eram doces e tenros, os colhi com escantamento e gratidão. Com um maravilhamento do milagre da vida, em sua forma mais perfeita. Mas com os dias mais curtos e menos ensolarados, os pequenos começaram a ficar extremamente ácidos. As geadas se anunciavam.
Reservei uma tarde calma e ensolarada, a horta estava vazia. Podia escutar os pardais que papeavam e de repente mudavam de lugar em revoada.
Colhia ternamente meus ultimos filhotes tomates, ainda verdes. Ia tentar amadurecê-los em casa. Um senhor havia me contado um segredo...que eles certamente iriam rugir se presenciassem nudez pela casa. Certeza que isso aconteceria em casa...
Já revirando a terra, me surpreendo com um passarinho de ventre laranja e bico fino que me olha fixamente. Fico imóvel de imediato, como se quisesse ficar transparente para que ele se aproximasse e não se sentisse ameaçado. E incrivelmente foi o que aconteceu. Me senti transparente, fazendo parte dessa terra, desse céu. Partilhando com ele esse instante, me retirando para que ele ocupasse o espaço. Instantes longos se passaram, de inusitada comunhão. Enquanto ele beliscava minhocas com o bico, fui me sentindo mais livre para também me mexer, como se ele permitisse que eu usufruisse de sua companhia, não se sentindo mais ameaçado. E do jeito que veio, se foi, me deixando ali, pequenina e inteira com meus tomates verdes.
O cansaço e o lamento de arrancar meus tomateiros, aos quais tinha me apegado profundamente, deram lugar a sensação de que tudo tem sua hora e lugar. Era a vez do pássaro se alimentar...

mardi 13 novembre 2018

Pedaço de livro, vivo.

Quando o livro fica zanzando na bolsa e não vem pra mão, eu não insisto. Tudo ao seu tempo. Pode faltar espaço no metro para abri-lo, pode ser que o por do sol esteja mais interessante; que as crianças barulhentas azucrinando o provavel pai estejam mais divertidas do que as páginas desconhecidas.
Eis que, como eu não tenho chegado à ele, um trechinho de um chegou à mim. Passa das oito e meia da noite e pegamos a linha 6 no ponto inicial, voltando pra casa.
Sento numa das poltronas internas do ultimo vagão, próxima a janela, pra ver a Torre Eiffel. Colada na janela, um envelope branco, dizendo "Sirva-se : Noite Branca Cervejas Calmas". Hesito, mas não me demoro a ceder à curiosidade. Pego uma das folhas, duplas, impressas em letras grandes, com trechos espalhados em meio as linhas padronizadas. Sorrindo, me deixo entrar na brincadeira. Descubro ali uma vida que poderia ser a minha, a do meu filho, ou da minha vizinha. Uma mãe espanhola que aluga um quartinho pro filho e fica muito p... pelo estado do lugar. Entramos na mudança, na arrumação, no relaxamento do serviço acabado...e por fim, na partida da mãe, deixando ao filho, cochichando ao pé do ouvido, o contato de um pai desconhecido.
Entre uma página e meia dúzia de estações, meus ombros relaxam e voam visitar outras vidas. Gratidão pelo envelope encontrado naquela janela, reconheço agora a falta que estar num livro me faz...

mercredi 17 octobre 2018

Laboratório do futuro

Preciso contar pra vocês uma história. Como fundo : amor, dedicação e esperança. Ela fala sobre a vida de uma cidade desconhecida de muitos, chamada Grande Synthe, a mais setentrional da França. A beira mar, me fez pensar numa mistura de Angra e Cubatão, abrigando praticamente lado a lado uma usina nuclear e uma siderúrgica. Quem vê de longe aquele conjunto de luzes não imagina que está na Capital Francesa da Biodiversidade (2010).
Tudo começou quando uma família vinda da região de Lorraine se instalou na cidade. Quem conta é o atual prefeito, Damien Carême, de olhos grandes de uma urgência profunda. Ele jamais se esquecera da visão que teve ao chegar : a da ausência completa de árvores. Seu pai, prefeito durante 20 anos, plantou tantas árvores que um bosque inteiro se formou, fazendo o próprio filho assumir com responsabilidade sua continuidade, em 2001. Hoje, algumas árvores já estão precisando ser substituídas, pois tem vida curta, e as que chegam são frutíferas, para que cada habitante festeje as mudanças de estação com as nuances de cores que elas trarão - fala agora, com os olhos brilhando de esperança.
Em volta do bosque, casas e prédios se voltam ao jardim. Eles são absolutamente sustentáveis, com produção zero de gás carbônico. A cidade vai mostrando um perfil diversificado, coerente e acolhedor...
O acolhimento deve ter surgido como uma real necessidade. Em pouco tempo, o fluxo migratório de quem deseja chegar a Inglaterra passou de 100 a 3000 pessoas. As rudes condições de vida dessas pessoas se transformou numa rede de solidariedade, que se recusou à dar as costas aqueles que necessitam. Médicos sem fronteiras, a prefeitura e inúmeras associações estendem até hoje as mãos à esses seres, passageiros e humanos como todos nós. Com olhar aflito, relata o abandono do estado... mas com o investimento de 2 milhões de euros do Médicos Sem Fronteiras e 400.000 da prefeitura, conseguiu criar o Primeiro Acampamento Humanitário da França. Afegãos, sírios, Iraquianos, iranianos; engenheiros, médicos,eletricistas, encanadores - todos buscando uma vida melhor. Dividindo os 2500 lugares entre os 500 galpões aquecidos, entre sopões, festas típicas, um centro feminino que revela momentos de canto e prece - por minutos, pude me sentir próxima à eles, tão diferentes e ao mesmo tempo, tão parecidos conosco, todos habitantes desse planeta que não deveria ter fronteiras. Mas qualquer sociedade apresenta divergências, e quando a intolerância toma conta, as consequências podem ser desastrosas.
Numa noite de atrito entre pessoas de origens diferentes, que vivem tradicionalmente em conflito, tudo foi abaixo. Em 11 de abril de 2017, o fogo destruiu o pouco que lhes restava, só não apagou a dignidade dessas pessoas que assumiram e lamentaram seus erros. Felizmente não houveram vítimas... Eles continuam por ali, esperando o dia nascer para poder agradecer pelo seu término. Esperando o momento certo, se tiverem sorte, de alcançar seus destinos.
Em cada rosto, a empatia estampada. Em cada gesto, um compartilhar simples e tão necessário. Um grande desejo brotou em mim, nesses tempos sombrios... que a perseverança de cada um deles atinja o coração de cada um que cruzarem, e que sucessivamente, essa onda de amor e solidariedade se espalhe pelo mundo, atravessando essas fronteiras fictícias e atingindo em cheio o ser mais profundo que mora em cada um de nós.

"Nous sommes dans toutes les crises : sociale, énergétique, écologique, et maintenant migratoire. On arrive au bout d'un système et les politiques continuent leurs vieilles recettes, ça ne peut plus marcher, il faut se réinventer."

"Nós estamos em todas as crises : social, energética, ecológica e agora migratória. Estamos no limite de um sistema e os políticos continuam suas velhas receitas, isso não pode mais funcionar, é preciso se reinventar".

Damien Carême, prefeito de Grande Synthe

vendredi 12 octobre 2018

Pelas crianças

Enquanto houver criança, haverá pureza. Um olhar que descobre o novo em tudo, se admira com o que aprende, encontra a beleza de uma alma que se reconhece no que está fora; na natureza, na gentileza de um gesto, no cuidado que recebe de alguém. E que no futuro reconhecerá que o que está dentro terá nascido dessa relação...
Enquanto houver criança haverá sabedoria. Na humildade de saber que nada sabe, aprende com alegria e absorve o conhecimento como alimento profundo, estrutural; não se impõe ao outro, respeita-o naturalmente, pois sabe secretamente que são iguais e compartilham as mesmas emoções. Sem ter consciência, a criança ensina empatia, para aqueles que tem a escuta atenta...
Enquanto houver criança, haverá esperança. Onde o erro faz parte do aprendizado e da construção de si mesmo, não há dor e sofrimento, mas o encontro com uma realidade desconhecida : contato que amedronta, mas que, se amparado com amor e cuidado, fortalece e marca, prepara o terreno para a vida...
Enquanto houver o sorriso do Joca, o olhar da Nina, a dança do Mathéo, a meiguice da Yasmin, a voz do Iago, meu coração se acalmará. Enquanto as crianças tiverem a força de se manter isentas da hipocrisia, da ambição, da crueldade, da ignorância e da arrogância do adulto que não enxerga a herança triste que está deixando, ainda há esperança. Ainda podemos aprender com elas, e melhorar nossas decisões daqui em diante. Se não for por nós, que seja ao menos pelas crianças... 

mercredi 3 octobre 2018

Se deixar nutrir

Atualmente tem sido difícil me permitir ser surpreendida pelo novo. Eis que diante de uma delicadeza simples, a aproximação foi praticamente inevitável.
Me encontro diante da proposta de um conjunto de pratos coloridos, de misturas inusitadas e desconhecidas, como se tivesse sido preparado especialmente pra mim. Não há praticamente escolha, e gosto disso.
Da pequena bocada que chega para abrir a sequência à sobremesa, uma grande experiência se faz.
O restaurante não é japonês, nem totalmente francês. Um chefe japonês contextualiza à sua maneira a cozinha francesa, com primor.
O primeiro copo de saquê já anunciava a surpresa. Delicadamente doce, o sabor era encontrado ao longe, como se fosse o destino de um longo trajeto. A taça de haste fina praticamente exigia uma atenção especial na aproximação à boca, com o aroma chegando antes. O segundo copo era artesanal, mais fermentado e rústico, e ainda assim acompanhava o peixe com delicadeza e frescor.
O polvo grelhado se casava com seus acompanhamentos de forma nova e inusitada a cada garfada. Gostos novos e conhecidos me surpreendiam como se o mar estivesse ao fundo, se oferecendo em perfume com cada ingrediente que encontrava, folhas, flores, raízes... Marcel Proust me emocionara com suas madeleines, mas não saberia que poderia viver o mesmo.
Me rendo definitivamente à emoção que encontro na sobremesa. Como se vivesse o encontro dos primeiros pêssegos de verão, declinado em várias formas, perfumes e texturas; a arte de equilibrar e respeitar um produto me alimenta profundamente. 
Choro de alegria ao perceber que aos 45 anos o novo ainda me espera, logo ali, se eu estiver disposta à me abrir à ele... 

Entre luz e sombra

Tenho sido sombra. Muita sombra, sombra de todos os lados. Vi isso hoje, quando surgiu uma fresta. Uma fresta de luz que trouxe um sopro fresco e úmido de vida. Aí me dei conta, que estou sombra.
Sombra que acompanha todo o meu dia, cada pensamento, cada olhar. Olhar que se pousa de repente, ao longe, procurando no nada encontrar o vazio. Sendo sombra, tento fugir das sombras dos pensamentos.
A fase já era para ter passado. Quando o sangue vai embora, leva as sombras com ele. Dessa vez não foi assim. Ela insiste em ficar, não se rende à mansidão dos hormônios. Acaba por intensificar a sensibilidade, a dor.
Mas volto à fresta. Graças à ela posso escrever. Busco na escrita esse sopro de volta. Suas reminiscências estão lá; suspiro profundo e reencontro o ar dessa tarde, vendo o namoro de duas borboletas brancas. Talvez a luz esteja aí, nesse rompante da natureza que vem esfregar na minha cara sua perfeição concreta e me traz de volta à vida e à sua verdadeira realidade.

samedi 22 septembre 2018

Porque temos uma à outra

De longe, nos acompanhamos. Quase sempre foi assim. Mas, de verdade, o longe nunca importou. Revê-la é voltar à infância, à juventude, aos momentos compartilhados. Não nos esquecemos de quase nada. A amizade mora em nós, sem que precisemos ouvir outra voz. Quando esteve longe, trocávamos cartas. Eu me desculpava por serem curtas, mesmo sendo extremamente longas. Eu era extensa, me estendia por onde não precisava e não devia. Era precoce e rígida, até na linha imaginária que acompanhava minha letra então redonda e contida.
Mas dava sem pedir nada em troca, na beleza ingênua e generosa da juventude, na crença de que o mundo estaria só esperando pela minha chegada. Cheguei, e fui pega de surpresa pela realidade.
A nossa vida, minha e dela, mostrou que o mundo não se incomoda tanto assim com a nossa presença; nem com a nossa sensibilidade e força de trabalho. Mais um dia nos encontramos, mais uma vez confirmamos o que vivemos há muito tempo : que não podemos nos abandonar, que não podemos deixar de lutar : por nosso lugar, nossa vida, nossos sonhos... e das mulheres que virão depois de nós. Mas, acima de tudo, agora. E primeiro, por nós. Sempre.

mardi 11 septembre 2018

Atravessando dunas

Filho, você não é mais o mesmo das fotos que te mostrei hoje... não é mais aquele menino que gostava de brincar com seus dinossauros desde pequenino, não tem mais medo dos sons fortes dos animais e dos filmes. Não cabe mais no meu colo, agora sou eu que caibo no seu. Não desenha mais pelas areias da praia, prefere simplesmente sentir nos pés as areias das praias do mundo. Não quer mais escolher o caminho de volta pra casa, já escolhe sozinho cada passo do seu caminho.
Mas no fundo, você ainda é o mesmo das fotos que te mostrei hoje...seu senso de humor que combina tanto com teu sorriso, tua generosidade e compaixão, teus silêncios carregados de sentimentos não ditos, profundos e grandes como você.
Continua, filho, a vida é só mais uma duna das muitas que você atravessou em suas andanças por ai, à espera de sentir teus pés determinados alcançarem o mar que se encontra logo ali, atrás dela...

lundi 10 septembre 2018

Um concerto conserta.

A volta à rotina impõe uma servidão ao tempo. Já ficando acostumada a respeitar o ritmo da necessidade, percebi que correr atrás do tempo cansa, pior, quase nos faz desaparecer, funcionar em sua função.
Eis que surge um convite para um concerto. Ah, nada mais poderoso que um concerto para me consertar, me tirar do marasmo que acomoda.
As idéias ficam de lado, perdem a prioridade.O som ecoa dentro da caixa acústica na qual me transformo. Ele é puro, vibrante. Toma todo o espaço. Octuor, oito músicos e seus diferentes instrumentos. Respeito tanto esses seres musicais. São mais que humanos, se aproximam do mundo impalpável, pouco a pouco se aproximam de uma outra sensibilidade : a da escuta. Se não se abrem ao som, como saber se ele é justo ?
Mas não basta a escuta, é preciso estar junto; absolutamente. Cumplicidade nos olhares que se acompanham, uma outra energia aparece, é perceptivel. E então a vibração atravessa, rompe as barreiras concretas do corpo. 
O som aveludado acaricia primeiro os ouvidos e então alcança todo o corpo, curando como quando fazemos uma prece que, por fim,  abençoa a nós mesmos.
Nunca vivera um "piano" tão perfeito. Tão suave, tão delicado, e ao mesmo tempo tão preciso. E o prazer de observá-los por duas horas, no êxtase da intimidade com o seu instrumento. Música cura, lava a alma feito cachoeira, vibração misteriosa de uma outra dimensão.

dimanche 9 septembre 2018

Atmosfera de amor

O que eu te desejo hoje, é que se levante com um gosto de vida. Que escute logo cedo a voz do seu neto te chamando, e que ganhe dele um grande abraço e um beijo, mesmo que seja melecado de caca de nariz. Que quando desceres para tomar café e na cozinha chegar dando o seu "Bom dia !", seja recepcionada com muitos abraços apertados daqueles que estiverem lá. Outros vão chegar no decorrer do dia, que com certeza, você já começou a comemorar ontem. A idade é só uma convenção, mas isso você já sabe há muito tempo...o que conta é festejar, com o sorriso no rosto e a taça de vinho na mão mais um dia nessa atmosfera de amor, que você mesma ajudou a criar. Viva seu dia, mãe, festeje seus 65 como se fosse os 35 que você vive dentro de você, e compartilhe essa luz toda de amor e esperança que só você é capaz de espalhar ! Te amo !

lundi 3 septembre 2018

Entre dois


Volto pra dentro. Estive fora, tão fora, completamente fora. E dentro, tanta fala, tantas vozes. Preciso escrever enquanto estou aqui, no ar, entre os dois. Os dois continentes que amo, os dois países aos quais pertenço.
Volto à falar comigo mesma, à preencher minhas linhas e romper as distâncias. Pois sim, descobri que escrevendo estou perto, tão perto de todos, do que a minha presença física é incapaz de preencher. Ficamos cúmplices de algo que não precisamos falar, gravado nas linhas entre quem escreveu e aquele que leu. 
Aceito voltar. Preencher as linhas com essa voz que me habita, tentar registrar a vida que corre em mim, enquanto as lágrimas correm sobre mim. Bach toca em meus ouvidos, estou rodeada de muitos, mas completamente só. Não estou mais no mundo dos abraços, do cheiro de umidade no ar, da flor de laranjeira, dos risos altos. Volto para onde estava, pra dentro. E aguardo a diluição do tempo, o mundo dos sussurros me retomar, do reencontro com a vida alimentada de longe.
Sou agora, sob esse mar que sobrevôo, o vazio da alma que não queria partir. Serei o que o tempo permitir que reste do perfume e da vibração da minha origem.

lundi 27 août 2018

Logo ali, existo

Por aqui tem uma tribo da qual faço parte. Não tem cacique nem pajé, mas tem muita dança e muita música, muita energia que passa entre conhecidos, desconhecidos, passantes, assíduos. Ali sou todos e não sou ninguém. Não importa quem sou, faço parte do todo, e é por isso que existo.
Na nossa língua, em outras, tangos, preces, mantras. Tudo se transforma quando pequenos passos se manifestam expressando o que o corpo sente, vibrando em seu ritmo, levando os outros junto. Quando os corpos vão em direções opostas, parece que a energia circula ainda mais, como se os ventos não tivessem mais como se opor, já que o movimento está em todo lugar. O espaço acolhe, o tempo não existe mais.
N'outro dia, n'outro lugar, conhecido, cujo perfume e atmosferas tão familiares me emocionam; muitos eram também conhecidos. Abraços calados e densos, alguns rodeados de lágrimas, também silenciosas, que diziam mais do que as palavras. O rito era em torno da fogueira. A fumaça vinha no rosto mostrando quem mandava. O vento fazia com que sua direção mudasse, nós resistíamos àquela força intensa, sufocante, e ela partia em seguida, como se tivesse, por alguns segundos, só testando nossa resistência.
Defumei-me, não só as roupas como também os cabelos, e depois a toalha onde os enxuguei. Como se tivesse sido benzida, carreguei por alguns dias e agora registro a emoção sem palavras de estar nas rodas onde mais me sinto viva.

lundi 20 août 2018

Remanescências de um dia de outro tempo.

Raramente se reúnem, todos eles. Os cariocas fogem do frio, os paulistas do calor. Mas esses quatro irmãos sentimentais encontraram um bom "motivo" para se reunir : a minha presença.
Lisonjeada de participar do encontro, gostei de ser uma razão de se verem, e viverem intensamente, em um dia, toda a emoção guardada durante o ano para esse momento.
Uma parte do afeto vem pela comida...e o preparo faz parte. Irmãs cúmplices até nas toucas, administraram a cozinha e o tempo de forma impecável. Milagres como cozinhar cinco polvos na mesma panela que seria usada para o feijão cercavam esse ambiente perfumado de mar e suas bençãos.
Enquanto digeríamos as iguarias e os vinhos consumidos, a música encontrou um espaço. Tons diferentes, ritmos e deslizes não impediram a emoção de circular entre irmãos, cunhados, sobrinhos e sobrinhos netos. Lembranças do passado e anseios para o futuro encheram muitos olhos d'água, de emoções silenciosas que não precisavam ser ditas. Naqueles instantes, partilhávamos todos, apesar das constantes diferenças; a impressão única do estar junto.

Recarregamo-nos, para muito tempo, tempo diferente do corrido, um tempo vivido que vai nos nutrir cada vez que um gosto, um cheiro, um som surgir como remanescência desse dia inesquecível...

jeudi 16 août 2018

Escola de Vida

Revirando livros e álbuns na casa de meus pais, me deparo com um livro caprichado feito pelo Ariel. Feito à mão, relata os dias de uma viagem que fez com a escola Ágora, um dos lugares que mais me fazem falta no velho continente.
Já pressentia o porquê na nossa partida, como se estivesse abrindo mão de um dos grandes encontros da minha vida. A passagem dos meninos por essa grande casa sem paredes construiu a base do que são hoje. Nesse mundo doido, ao menos eles sabem que tudo pode sim, ser diferente. Sinto profundamente que o Iago não possa vivenciar esse lugar, registrar em seus poros aquela poeira fina e umidade perfumada de eucalipto. Que não tenha vivido o acolhimento silencioso da Léo, a firmeza tenra da Terê, uma verdadeira vida em comunidade.
Nas entrelinhas desse relato-livro do Ariel, se revela a preciosidade dessa escola. Num caminho de transformar o vivido em palavras, aprofundava a cada linha sua sensibilidade num registro eterno. Sentimentos simples, assumidos, que encontraram palavras para serem visitadas hoje, por ele, por mim, para quem tiver a sorte de folheá-lo. Sentimentos que hoje norteiam os gestos desses meninos-homens, que puderam saborear o esforço de vivê-los plenamente.

mardi 14 août 2018

Como se abrir ao novo ?

Uma paradinha na padaria é um acontecimento diário em qualquer canto de São Paulo. As vezes é só pra comprar pão, mas o melhor mesmo é matar as saudades de algo que você não come há muito tempo. A ocasião se apresentou, e dei a sorte de estar perto de uma nada mal... fugi das aberrações combinadas tipo croissant recheado, e avistei de longe o que procurava : um simples pão de queijo. Se apresentava em dois formatos, vários pequeninos ou uma  generosa unidade.
Escolhi comer um só, que acabara de sair do forno, perfumando totalmente o ambiente. Tentando não abrir espaços às expectativas, comi lentamente aquela iguaria tão perfeita. Na dificuldade de encontrar palavras para descrever, só consegui registrar a maciez daquele recheio rodeado pela crosta crocante, com um ligeiro gosto de parmesão levemente torrado, que fazia a boca salivar à espera da mordida seguinte...
Não, não se compara a outra experiência, à outros pães de queijo que vieram depois desse encontro com o novo. Mas se eu pudesse viver cada alimento dessa maneira, experimentaria uma outra existência.

samedi 11 août 2018

De encontro ao reencontro.

Ah, as pequenas alegrias do meu Brasil.... O avião pousa e o rapaz ainda está ali, sinalizando para orientar seu estacionamento. Chove e faz frio, mas mesmo com uma capa de chuva desajeitada ele acena para o Iago, que, da janela do avião, tenta estabelecer o primeiro contato com essa gente que ele quer tanto bem. Apesar de todas as condições, ele responde sem deixar de cumprir com sua função. Iago me olha sem acreditar no que vê, sorrimos juntos de emoção, na certeza de estar sentindo a mesma coisa. Sim, só poderíamos estar no Brasil.
Sua expectativa é grande, dois dias dormindo pouco, horas em contagem regressiva, é ansiedade que não cabe mais dentro dele. Já tinha imaginado quantos abraços apertados daria em cada um que encontrasse. Sorrisos se espalham pelo trajeto : no moço da alfandega; na atendente que cruzei o olhar,  mesmo sem parar, no Duty Free. Sorrisos e abraços, sim, estamos mesmo no Brasil. 
O beijo é único, mas os abraços são longos. Me pergunto por que sempre esquecemos como é bom abraçar. Se sentir nos braços do outro, em seu calor, no acolhimento. Sentir o que o outro tem a me oferecer, retribuir na justa medida, sem encontrar palavras. Abraçar sem economia, sem guardar nada para si, abraçar para reconciliar emoções distantes, dar-se. Estar no Brasil é se disponibilizar pro abraço, reconhecer seu devido valor, e a cada vez que pisamos nessas terras ainda tupiniquins, permitir que tudo ainda aconteça, e se reestabeleça.

dimanche 5 août 2018

Próximo passo

Ontem completei seis meses de escrita diária. Esse processo me ensinou um bocado sobre mim mesma, e queria dividir com quem me acompanhou até aqui. O que eram quinze linhas todo dia, se transformou em trinta, às vezes mais. As vezes escrevia fluido, como numa entrega, uma necessidade de registrar uma vivência, em outras, tive que me exigir um esforço enorme para conseguir escrever algo. Algumas vezes libertador, outras castrador. Mas todas as vezes ao terminar, uma sensação de cumprir um acerto feito comigo mesma, independente do resultado final.
Escrevi pra mim mesma, pra organizar meus sentimentos e emoções tentando usar as palavras. Quantos textos me esclareceram coisas não digeridas ? Quantos aliviaram angústia desproporcionais, mas grandes o suficiente para que eu sentisse necessidade de falar delas ? E como foi bom encará-las de frente, diluí-las.
O que achei mais precioso no processo, foi o esforço sincero de escuta do instante e de transformar em registro. Pretendo continuar nesse rumo, mas de uma maneira mais solta, menos obrigatória. Compartilharei menos, mas continuarei escrevendo, para estar mais próxima de mim mesma, do meu funcionamento, das minhas necessidades; dos meus sofrimentos e aprendizados.
Quem quiser me dar sugestões ou opiniões para os próximos passos, estarei a escuta. Obrigada por ter chegado até aqui. Obrigada à você, obrigada à mim mesma.

samedi 4 août 2018

Um dia um pouco diferente dos outros.

Acordou com o pai chamando. Tinham combinado de ir comprar o presente juntos, mas não valia a pena. Sem problemas, pai, respondeu ele, a gente vê quando eu voltar. Chamara-o as 10h37, hora do seu nascimento aqui, e lembramos desse dia rindo da temperatura de sua cabeça saindo de mim e das manobras que fiz pra cortar o cordão umbilical. Presente adiado, sobrou o convite pra um rolê de bike. Preguiçoso não queria ir, mas lembrei-o que ia passar um mês sem ver o pai.
Voltaram sorridentes com os ingredientes pra clássica da dupla : a torta de limão. Dividiram as tarefas e se puseram a trabalhar. Entre uma nova técnica de esmagar os biscoitos e a ousadia de misturarem limão verde e siciliano, o entrosamento foi perfeito, à ponto da torta ficar pronta no momento em que eu precisava usar o forno.
Teve até coca com gelo e limão, o que não entra em casa há mais de ano. E no menu, uma das muitas carnes preferidas do aniversariante, filet de pato...
A tarde quente terminou com a chegada da torta, já fresca depois de horas na geladeira; e de muitos gostosos e surpreendentes desejos de parabéns.
Pra esse menino que começa o décimo primeiro ano de sua vida, o dia foi mais que especial. Foi o primeiro de muitos outros que virão nesse ano que promete ser cheio de mudanças, exigências e responsabilidades. Pode vir que o menino tá bem na própria pele, como se diz em francês "Bien dans sa peau"; o que pra gente poderia dizer de bem consigo mesmo... 

vendredi 3 août 2018

Esfoladas da vida

Fui buscar uma biblioteca que uma amiga me deu e me esborrachei no chão. Não vi um degrau.
Nem me lembro quando foi a última vez que esfolei o joelho, de escorrer o sangue até o pé, mas a dor é a mesma do meu tombo no bolão - meu triciclo lendário - aos cinco anos. Ali com a minha amiga, que me deu um algodão úmido com antiséptico, me lembrei das tantas esfoladas que tive.
Primeiro lembrei das que minha avó cuidou, as muitas que ela coloriu gentilmente de mercurio cromo pra não arder. Um belo tombo na beira da calçada cimentada na frente da casa dela ralou não só meu joelho mas cada um dos meus dedos da mão esquerda. Olhava-os cicatrizar, e deixar suas marcas...pelo menos elas não arderam. Mas me acompanham ainda hoje...
Os outros tombos vivi por dentro. Não esfolaram à olhos nus, mas as cicatrizes permaneceram. Olhei as feridas, elas arderam, mas aguentei. Elas deixaram belas cicatrizes, finalmente. 
E o que sou hoje, e o que talvez ainda virei à ser, é um apanhado das minhas esfoladas pela vida; as cicatrizes, meus troféus por encarar sua ardência. Me sinto mais forte graças à tê-las aguentado, a perceber que elas não são tão doídas assim. Com o tempo a dor se vai, e a gente fica.  
Meu joelho está ardendo, mas a biblioteca está montada e lindona cheia de livros. Esfoladas, podem vir que eu ainda aguento...

jeudi 2 août 2018

O outro lado da escolha.

Como disse o Hector hoje voltando pra casa : "não podemos ter a manteiga e o dinheiro da manteiga". Esse ditado francês reflete bem a questão da escolha, algo que eu tenho pensado bastante...
O simples contato com a minha pequena produção na horta é um exemplo de que quero tudo. Quero viajar, ver meus queridos, mas também não quero abandonar meus pepinos que não colherei, minhas framboesas que não experimentarei, os grãos do girassol que não secarei...é um grande desafio, fazer uma escolha e desapegar do que ficou do outro lado, daquele preterido, postergado, ou definitivamente abandonado. 
Acho que é por conta do meu apego que ainda hesito tanto em assumí-las. As escolhas que tive que fazer rapidamente ou foram impostas pela vida ou guiadas pelo lado emocional; mas escolhas racionais, feitas com a justa distância e tranquilidade estão longe de serem cotidianas.
Desapego...taí um bom exercício para todos os dias, começo com as pequenas, aos passos curtos talvez consiga ir mais longe...

mercredi 1 août 2018

Um jamaicano em Paris

Ser casada com pesquisador tem suas vantagens. Uma delas é a proximidade que acaba acontecendo com todo tipo de cultura e origem diferente. E isso é maravilhoso !
Há um ano fiquei amiga de uma pós-doutoranda egípcia, médica, que veio com os dois filhos para um ano de Paris.
Hoje Roti chega com um jovem americano, filho de jamaicanos, que veio para um estágio de um mês.
A atração que Paris exerce, acaba enriquecendo à todos que, graças à sua "luz," acabam se cruzando.
Que alegria ver o encantamento com a realização de um sonho. Chego a chorar ! Num inglês gostoso, quase musical, a transparência entusiasmada do frescor de seus 19 anos. Por enquanto, ele mal pode acreditar que está em Paris...e não preciso entender inglês para sentir isso. Seja dividindo a paixão pelos mangás ou o interesse profundo e ainda difuso pela ciência, dá pra sentir toda sua energia, essa empolgação que me atravessa...
Hoje tenho a certeza de que se a gente conseguisse manter um pouquinho que fosse, desse frescor e encantamento pela vida, o mundo seria menos amargo e muito mais doce... que se a gente tivesse um espaço pra saborear profundamente cada sonho, sem ser sufocado por uma sociedade que quer nos encaixar em padrões, poderia manter esse frescor tão presente na juventude. Talvez poderemos, nós adultos, agir ao menos pelos nossos jovens.

mardi 31 juillet 2018

Mala dos Anseios

É uma grande sorte poder preparar uma mala com antecedência. Imaginar qual mala escolher, como estará o tempo pra começar a escolher que tipo de roupa deverá levar...Imaginar as combinações é começar a saborear os reencontros, as ocasiões que surgirão, a atmosfera acolhedora e reconfortante de rever queridos ou de conhecer outros que virão também a ser.
É o momento que já começa a fazer parte da viagem, como os preparativos de uma festa também fazem parte dela...Momento de se dar conta que se tem mais do que precisa, da necessidade de trabalhar o desapego e ser menos consumista. De se desfazer...
Quando o destino é o nosso lar de coração, a vontade é distribuir lembranças pra comemorar o reencontro
, mas a gente logo percebe que uma mala é pouco se for levar um agradecimento pela existência de cada um deles... Acabo esperando que a minha presença possa preencher essa gratidão...
Agora só quero saborear o momento de fazê-la, de cada pedaço de vontade minha que vou colocar ali, de anseio de vida que virá. 
O presente preparando um possível futuro, que trará certamente cores e gostos do passado pra salpicar a realidade que viverei. Agora é contagem regressiva.

lundi 30 juillet 2018

Destino incerto, caminho traçado

Dia de comprar o material escolar do primeiro ano de ginásio do Iago. Três vezes mais matérias, três vezes mais confusão. Cores de capas, tamanhos e quantidades de folhas eram os critérios somente dos cadernos...sozinha em meio à tudo aquilo, lembrei da agilidade do meu filho do meio, aniversariante de hoje. Ariel sempre teve uma autonomia que me surpreendeu... como se o mundo estivesse esperando ansiosamente por ele. Engatinhou aos sete meses, não podia perder tempo. Com seu sorriso carismático escorregava por entre nossos lençóis no finalzinho da manhã, antes da gente se preparar pra ir pra escola. Sempre ousado e entusiasmado, nunca se preocupou em ser confundido com uma menina pelos longos cabelos ou por gostar de rosa. Ele estava muito acima de tudo isso... Como se soubesse que mesmo sem destino certo, ele teria o caminho traçado. Desde que chegamos na França quis fazer o máximo que pode sozinho, de ir à escola à comprar seu material escolar; de resolver as encrencas do colegial à decidir os primeiros rumos dos estudos superiores...
Por isso durmo tranquilamente todas as noites, mesmo sem falar com ele há semanas, mesmo não falando com ele no dia dos seus vinte anos... ele sabe que confio em sua confiança, e que meus braços estarão sempre lá quando ele precisar...mesmo aprontando as dele, e me deixando na mão vez ou outra. Já tive vinte anos e sei que como é. Beijos salgados de lágrima na sua bochecha salgada de mar, filho, ...tamo junto !

dimanche 29 juillet 2018

Um grande reencontro

Depois de uma hora e meia de estrada, muito verde e um pequeno trecho de estrada de terra, chegamos para buscar nossos filhos no Acampamento dos Escoteiros. Escuto uma voz familiar gritando por trás das árvores : "As mães chegaram ! As mães chegaram !"...veio correndo para aquele abraço gostoso, como se o tempo parasse pra gente se sentir pertinho de novo. Nos meus braços ele me diz ao pé do ouvido que recebeu minha carta há dois dias, e o abraço dura mais alguns segundos de um silêncio cheio de amor. Eu diria que ele até cresceu em uma semana, em altura e maturidade.
Carro cheio, o jogo Uno rolando no banco de trás. Quanta energia cabe nesses pedaços de gente ?!
De volta pra casa, um jantar recheado de histórias incríveis, da construção do fogão com barro e madeira, aos jogos de equipe onde se colocaram na pele dos nuggets, se empanando na farinha e rolando e se arrastando na grama. Dos banhos de água fria, da responsa na cozinha, às promessas de engajamento.
É filho, foi mesmo um bocado de coisa essa semana... você ficou maior não só por fora, mas por dentro também.

samedi 28 juillet 2018

Sardinhas Pequeninas

Fomos molhar nossa parcela na horta. Soube ontem que ia rolar um churrasco de sardinha hoje à noite, mas sardinha, sei lá...só me fazia pensar em sardinha em lata.
Momo estava lá, com 4 kg de sardinha cortando gravetos e verdadeiros pedaços de lenha pra fazer o fogo. Roti logo se prontificou a ajudar. Daqui a pouco percebo que todo mundo foi embora, e Momo ali, com 4kg de sardinha. Não podíamos deixá-lo lá assim. Decidi preparar uma salada em casa, cortei uns melões e voltei pra lá. Roti ficou limpando as pequeninas sardinhas do mediterrâneo, que de tão pequeninas nem cheiro tinham. Outros foram chegando, e bo final eramos nove.
As sardinhas me lembraram os lambaris fritinhos que a Seiko pescava, limpava e fritava. Minha idala !!! E ao experimentar aquelas sardinhas suaves com os dedos,  mais uma lembrança ! A das sardinhas na telha feitas na praia de Itanhaém pelo meu pai, na frente da casa do tio Edu. Uma abajur de luz alaranjada clareava a sala à meia luz para que as crianças enfim dormissem.
Hoje, vamos também custar a dormir, depois de muitas sardinhas crocantes, abobrinhas e tomates grelhados colhidos no instante.
Até um carro queimou no terreno ao lado para permitir que as batatas perfumadas de alecrim esfriassem no aluminio. Os bombeiros chegaram rapidamente e apagaram o fogo. Voltamos para a horta terminar o churrasco, as batatas e a sobremesa.
Cheirando à fumaça e à sardinha, volto pra casa, marcada por essa noite entre novos amigos, sardinhas e um carro queimado... nada como um sábado a noite improvisado !

vendredi 27 juillet 2018

Solidez na solidão

Essa semana que tive comigo mesma está pra acabar. Muitos acharam que eu não ia sobreviver. Por que  eu não suportaria ficar só ? O estereótipo da mãe que vive em função dos outros, e que o machismo alimenta. Nossa, tadinha dela, sozinha, sem ninguém pra cuidar. E se eu pudesse cuidar de mim mesma ? Alguém chegou a pensar nisso ? E se fosse uma bela ocasião pra eu escutar à mim mesma, fazer um balanço do que sou, do que não quero ser, do que ainda posso vir a ser ? Não, não sou só uma mãe tempo integral. Nenhum dos meus filhos precisam mais de mim à esse ponto...eduquei-os pra isso.
Pra ver mais longe...Será que somos tão pequenos, que nossa existência depende a esse ponto do outro ? Agora posso dizer verdadeiramente que não. Você tem a opção de viver em função do outro, ou de viver bem consigo mesmo e assim, ajudar os outros.
Foi o que fiz esta semana : respeitei cada pedacinho de mim mesma, acompanhei de perto as vontades, os desejos, e os não desejos. Vi de perto a indecisão libriana, a angústia do tempo que passa, a solidão deliciosa que é estar somente em silêncio, consigo mesma. Que estar sozinha não é estar só. Que é uma grande sorte poder viver assim, sem arrependimento de ter escolhido isso. E sugiro à todos essa experiência... vocês poderão se surpreender...


jeudi 26 juillet 2018

Amor de avós, é desatar os nós

Iaia, hoje festejam o dia dos avós lá no Brasil. Acho que, como dia das mães, dos pais, das crianças, esse dia deveria ser festejado todo dia, pois é mais um dia de amor e respeito que devia ser reconhecido...
Cresci bem pertinho dos meus avós maternos, o teu biso e a vó Norma, que você não chegou a conhecer. Todo o carinho em forma de comida, de passeios e de broncas que vivi, foram essenciais para que eu viesse a ser o que eu sou. Não percebia naquela época, fui notando quando as lembranças dos momentos que vivemos juntos foram vindo à tona, com um gostinho especial de infância acolhedora, de se sentir querido e seguro perto deles...algo único e insubstituível.
O Hector e o Ariel tiveram também, desde que nasceram até o fim da infância, a presença constante dos avós por perto. E eles tiveram direito à tudo : todos os avós estavam ainda lá : a vó Marly pra bagunçar o coreto, o vô Ari pra construir dedobol e jogar bolinha de gude no jardim, a vó Seiko pra garantir que comessem tudo o que sonharam e o vô Cinzo, pra que tudo de bom e de melhor chegassem até eles, inclusive seu amor. Você, Iaia, não teve tudo isso. 
Te privamos dessa convivência profunda com seus avós quando você tinha 7 meses. Talvez tenha sido um dos motivos que me fez me dedicar tanto à você...secretamente tentar te dar esse amor que recebi e do qual te privava. Parece que só hoje consigo viver essa constatação dentro de mim.
Mas você, meu filho, mais uma vez me ensina que o amor escorrega por onde vê passagem...nunca deixou de sentir, de lembrar, de citar e de amar sem restrições esses avós distantes, esse amor que você recebeu em doses homeopáticas e nunca se reteve em retribuir. Nos seus abraços matinais, na sua presença constante ao lado deles a cada vez que lhe pediram, você soube absorver esse amor diretamente, provando que toda maneira de amar é válida. E que você, da sua maneira única, perpetua esse amor recriando-o á distância, sem a pieguice e sentimentalidade que poderiam aparecer; só com a pureza e a sinceridade que deve haver.
Obrigada filho, por existir e me mostrar que o amor ultrapassa tudo que podemos imaginar.

mercredi 25 juillet 2018

Não é só um assunto meu.

Não posso deixar de falar nisso hoje. Foi o que mais me tocou, e acho importante.
Os homens talvez não imaginem o que é ir ao ginecologista pelo menos uma vez ao ano.  Eles não vão ao urologista com a mesma frequência, algo no mínimo estranho...
Aqui já estou na quarta em dez anos. Sendo que levei bem uns três para ir pela primeira vez. Não foi a consulta mais relaxante do mundo, me senti julgada pelo meu percurso, e não seria a última vez.
O destino me fez encontrar um outro gineco de origem uruguaia. Falavamos de churrasco enquanto ele queria me empurrar um anticoncepcional. Outro que me achou a louca de parir depois de três cesárias. Fui.
Fui sim...parar numa madame. Nem na cadeira da sala de visita eu me sentia à vontade...imagina com ela, me examinando de tailleur e luvas cirúrgicas...
Hoje fui numa indicação de uma amiga. A sala de espera parecia uma sala de aula waldorf...pena que não fiquei muito. Ela chegou toda colorida, cabelos curtos num corpo forte e delicado ao mesmo tempo.
Poucas questões, pelo contrário...perguntava quais seriam as minhas questões. Mesmo tendo se surpreendido pela minha VBA3C, nada acrescentou quando eu disse que procurei um especialista pois queria parir. Mas o que mais me surpreendeu, é que pela primeira vez me perguntam numa consulta se fui vitima de algum tipo de violência. Uma oportunidade única para refletir sobre o percurso dos meus relacionamentos, que deve se abrir para cada uma que ali passa, que ali se abre, timidamente, mas porque fomos ensinadas assim.
Constrangedor mas indispensável; se a cada pergunta como essa pudéssemos visualizar nosso caminho, cada um que passou, gestos que começamos a compreender, outros tantos que tentamos esquecer.
Não é fácil ser mulher, não são poucos os constrangimentos que iremos passar na vida, mas, cada vez mais, vejo que um mundo começa a se abrir diante de nós. E que temos que nos lançar nele, completamente. Como ouso fazer nesse texto.


mardi 24 juillet 2018

Aconchego concreto

Debaixo de calor sufocante enfrentamos trem e metrô...por uma exposição à céu aberto. La Defense acolheu artistas contemporâneos, e pudemos eu e Marie Paule conhecer um pouco mais da Esplanada que leva até o arco moderno que podemos ver do Arco do Triunfo, e mesmo da Praça da Concórdia.
Uma fonte tentadora anuncia a exposição itinerante, rasa demais pra gente se atirar de cabeça. Muitos não se importavam, e ali se sentaram de roupa e tudo, pra tentar diminuir a sensação canicular.
Um banco gigante, uma senhora sorridente em meio à girassóis em forma de labirinto, faziam os prédios desordenados em espelho e concreto parecerem mais aconchegantes. Lençóis secavam nos terraços e jardins do último andar se revelavam quando ousávamos olhar o céu.

Em meio à árvores pintadas de branco, belos jardins floridos. Uma casa invertida brota no centro. Enquanto um carro vertical se dirige à uma nuvem branquinha no céu, as abelhas faziam a festa nos girassóis. Sim, as abelhas, que sabemos hoje serem tão preciosas, se esbaldavam profundamente no néctar dos 4000 girassóis.
Floreiras em motivos orientais decoravam os restaurantes ao lado do que paramos para nos recuperarmos. A conversa foi sendo colocada em dia, enquanto uma pequena brisa e bebidas nos refrescavam. Reflexões de duas mulheres que começam a perceber o quanto são escravas de suas próprias ditadoras internas. Talvez o primeiro passo para a liberdade...
E enfrentamos o caminho longo de volta, em mais um dia escaldante da Paris que merece ser vista de todos os ângulos.

lundi 23 juillet 2018

Proximidade à distância

Iaia, te escrevi uma carta hoje, como se estivéssemos conversando na hora do lanche. De uma certa forma entendi porque gosto de escrever, pra reencontrar esse gosto de um diálogo sincero. Foi uma das primeiras coisas que fiz, depois de arrumar os teus playmobis que separamos pra levar pro Joca. Te contei como foi dificil fazer planos pra essa semana, minha indecisão libriana estava à toda. Não consegui ainda definir minhas prioridades para os próximos dias. Perdi um bocado de tempo tentando, mas tudo vai se desenhando... Esses dilemas estranhos me mostram o quanto o tempo ainda me aprisiona. Prisioneira do tempo, com a sensação de perdê-lo, de não vivê-lo plenamente... 
Pela primeira vez não estou preocupada contigo. Teu sorriso ontem à noite me tranquilizou. Tinha um bocado de segurança e maturidade nele. Ele me dizia o quanto você estava feliz em partir e passar uma semana na natureza, conhecendo um novo ambiente, pronto para enfrentar as dificuldades que aparecessem, ansiando mesmo por isso. Foi tão reconfortante poder sentir isso em teu olhar.
Tuas duas mãozinhas acenando da janela do carro me deixaram leve, me fizeram partir abraçada pelo calor gostoso do começo da noite, que me acompanham até agora. 

dimanche 22 juillet 2018

Só e bem acompanhada

Leio ou arrumo os brinquedos ? Como ou tomo banho ? Espera, posso comer quando tiver fome...se tiver. Vejo Netflix ou escuto música ? Posso fazer até várias coisas ao mesmo tempo... acho que nunca experimentei essa liberdade...
Primeiras horas sem nenhuma obrigação. Nem reais, nem imaginárias. As reais são comandadas pelas horas, do almoço e jantar. Mesmo nas férias, tudo que diz respeito às refeições são minhas preocupações, e ocupações. Dividir o dia pra que seja prático, rentável, organizado. Uma grande carga mental diária. A não ser quando viajamos, essa obrigação me persegue, como se eu tivesse que pensar nisso todos os dias. Um hábito que se infiltrou na minha vida, e da qual raramente consigo me livrar... E é à noite que meus medos e inseguranças mais profundos aparecem e exigem uma ação, o que às vezes acaba sendo estranhamente uma ajuda...
As imaginárias, todas as obrigações que imponho a mim mesma, como se cada minuto de ócio devessem ser pagas em trabalho. Me transformei numa escrava da casa. Essas correntes que arrasto comigo estão longe de se romper, mas agora eu as vejo.
Como encontrar um equilíbrio no exercício da maternidade ? Como dividir de forma justa as responsabilidades de uma família ?
Iago volta domingo que vem, Roti sábado, Hector em agosto, Ariel em setembro...eu estarei completamente só por cinco dias, depois de 23 anos. Experimentar cinco dias sem me preocupar com a minha família é um grande desafio, saber aproveitar desse tempo precioso, viver encontrando minhas  prioridades do momento será muito interessante... registrar essas impressões escrevendo, uma alegria.