vendredi 23 mars 2018

Herança de feiticeira

Quando encontrei meu casaco preferido não o tirei mais do corpo. Foi numa loja da Cruz Vermelha, e foram os melhores 10 euros que já gastei. O corte exclusivo, o zíper na diagonal, a cor preta e o forro em malha polar, era tudo o que eu precisava. Dias depois descobri que ele vinha com um capuz pontudo. No começo me sentia um duende, mas aos poucos assumi o chapéu de feiticeira. Me divirto em silêncio quando no metrô cruzo olhares e sorrisos de outras mulheres, apesar das crianças acharem que devo ser doida, ouvi eles cochichando na rua...


Como herdeira da minha vó, feiticeira na cozinha, resolvi aprofundar essa veia; mas não foi de imediato.
No livro "As mulheres que correm com os lobos", fui reconhecendo esse lado selvagem e indomável, sem no entanto ser nocivo ou prejudicial. Na verdade, por muito tempo, as feiticeiras foram vistas como nocivas pois quebravam e questionavam a hegemonia masculina e religiosa. Foram vistas como bruxas e loucas, pois ninguém estava disposta a compreendê-las, à se aproximar de seu universo e suas necessidades : dançar, amar e se expressar livremente, ocupar um espaço que é dela.
Aos cerceadores dessas feiticeiras incompreendidas só restou a tentativa de dominação, de impor a sua vontade. As mais calmas, acataram, em nome de uma segurança morna e de uma emoção constante. As indomáveis sofrem até hoje para serem ouvidas, mas não abandonarão, até a morte. 
Continuarão espalhando suas poções de amor, pela generosidade e dedicação, mas não aceitarão entrar no molde; estarão onde quiserem e onde puderem ser plenamente o que são.


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